segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

O VERDADEIRO NATAL
 Eu quero a singeleza do Natal.
Quero ver o menino singelo e pequenino
deitado na manjedoura
sendo adorado pelos pastores,
olhado e amado por seu pais
e bafejado pelos animais.

Eu quero ver a estrela
que anunciou o nascimento do Menino
cruzando o céu, apontando pra Belém,
onde alguém tão importante
há poucos instantes
acabara de nascer.

Eu quero ver o brilho do Natal.
Seu lado lindo, doce e espiritual.
Eu quero ver José e Maria
tomados de grande alegria
festejando o acontecimento
que ali naquela noite se via.

Eu quero ouvir a música divina
que soou entoada pelos anjos
naquela noite especial.
Eu quero ter o prazer de ver,
de sentir e de viver
o verdadeiro Natal.

Cícero Alvernaz (autor) 21-12-2015.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Biblioteca Fátima Fílon recebe doação de livros

A tarde do dia 12 de dezembro de 2015 foi marcante para a Acadêmica Fátima Fílon. A biblioteca que leva o seu nome recebeu dos Lobinhos do grupo de Escoteiros Locomotiva uma doação de livros. A entrega contou com os Lobinhos, Escoteiros e Chefes, além dos Acadêmicos Fátima Fílon e Paul Law. Veja algumas imagens do evento:


Chefe Erik dando instruções aos seus Lobinhos

Fátima Fílon explicando sobre a importância da leitura


Os livros arrecadados


Bravo, bravo, bravíssimo! Fica o registro.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

À espera de um milagre


Independente da fé professada, é quase unânime entre as pessoas a crença nos milagres. Quando vemos, por exemplo, filas imensas em frente a casas lotéricas em época de Mega Sena acumulada, não há dúvida de que todas aquelas pessoas que estão ali para apostar na sorte esperam por um milagre, independente da religião que sigam ou mesmo não tendo nenhuma religião. Quando nós ou alguém de nossa família está doente, quando estamos desempregados, com dívidas a pagar, quando perdemos um amor, enfim, quando desejamos ou necessitamos de algo que parece estar além de nossa capacidade, também esperamos por um milagre.
Não sou uma pessoa cética, no entanto, mesmo tendo a fé como um valor essencial, havemos de ter coerência e bom senso. Nós somos responsáveis por tudo o que nos acontece. Alguém pode se contrapor a essa afirmação, dizendo, por exemplo, que os moradores de Mariana, MG, não podem ser responsabilizados pela catástrofe recentemente ocorrida, mas, de alguma forma, podem. As vítimas da catástrofe só o foram porque escolheram morar num lugar de risco, ainda que não fosse um risco aparente. Morar perto de uma barragem ou de um vulcão extinto ou no mangue ou nas encostas de um morro sempre representará fatores de risco. Mesmo que se fique lá por décadas sem nada acontecer, a possibilidade de uma catástrofe existe e não pode ser descartada.
Eu acredito em milagres. Acredito completamente. Já presenciei milagres na minha vida e na vida de outras pessoas, próximas ou distantes e a ocorrência de milagres, de uma intervenção sobrenatural, além de nossa compreensão, para mim é fato. A questão não é ser cético e racional a ponto de duvidar de qualquer fenômeno que a lógica e a ciência não expliquem, mas sim não confundir milagre com magia e o mundo celestial com um supermercado onde se pega o suplemento (milagre) que se precisa na hora que se quer.
Um dos principais atributos do ser humano é a sua liberdade, o seu livre arbítrio e, se os milagres acontecessem corriqueiramente, admitiríamos uma intervenção divina que feriria o princípio dessa liberdade e nos tiraria a responsabilidade pelas consequências de nossas escolhas. Podemos considerar acordar todas as manhãs, ver e ouvir como um milagre, mas, não estou tratando aqui de algo dessa subjetividade, mas sim dos milagres objetivos, concretos, como uma pessoa cega voltar a enxergar, um paralítico começar a andar, alguém com um câncer em fase terminal curar-se.
Como seres humanos limitados, seria pretensão tentar explicar as coisas espirituais, fora de nosso alcance, mas, podemos, por análise e experimentação, tecer algumas suposições e é o que eu tento fazer aqui. Para mim, a ocorrência de um milagre está atrelada à fé. Sem fé não pode haver milagres. Mas, se assim fosse, podem objetar, a Mega Sena acumulada teria milhões de ganhadores, porque todos os que fazem as suas apostas têm fé que ficarão milionários. Ocorre que é muito diferente desejar que alguma coisa aconteça e estar certo que ela acontecerá e sensibilizar a outra esfera da vida a fim de a coisa, de fato, venha a acontecer. Quem joga na loteria arrisca, quem tem fé não arrisca e nem mesmo pede a Deus coisas tolas e absurdas.
Como cristãos, na narração dos Evangelhos, podemos constatar a ocorrência de diversos milagres. A multiplicação de cinco pães e dois peixes numa quantidade que deu para alimentar mais de cinco mil homens é uma delas. Tão estonteante que chega a parecer inverossímil. Mas, para fazer esse milagre, Jesus contou com uma matéria prima, um elemento essencial, os pães e os peixinhos ofertados pelos discípulos. Isso significa que a concretização de um milagre é uma questão de parceria. Que é preciso haver um investimento, uma doação, uma oferta de nossa parte e, quase sempre, essa oferta passa pelos nossos valores morais e pela retidão de nossas intenções, isso talvez explique porque se realizam tão poucos milagres, pois estamos sempre aptos, preparados e sedentos para receber, mas, raramente nos dispomos ou nos sentimos em condições de dar. E não tomem aqui esse dar por ofertar dinheiro, como muitas vertentes religiosas vergonhosamente fazem supor, numa verdadeira venda de milagres e bênçãos. O dar a que me refiro é algo muito mais profundo – e simples.
Esta semana, na minha cidade, está ocorrendo uma atividade religiosa chamada Cerco de Jericó, que consiste em sete dias de orações e súplicas, nos quais as pessoas se comprometem a ouvir a vontade de Deus sobre suas vidas e cumpri-la, solicitando as graças que necessitam, como aconteceu com Josué no episódio da queda das muralhas de Jericó apenas pela força da oração, do toque de trombeta e da marcha dos fiéis em torno daquela fortificação, algo que foge a qualquer lógica conhecida. Como nossa paróquia ainda não possui uma igreja, o evento está ocorrendo em uma escola, na qual foram improvisados um altar e um local para o sacrário. No primeiro dia, havia uma multidão, centenas de pessoas cantando e orando entusiasmadas. São celebradas duas missas por dia, uma às cinco da manhã e outra às 19h30. Tenho assistido às duas. Na das 19h30 a frequência ainda é grande, embora diminua um pouco a cada dia, num dia porque choveu, no outro porque estava muito calor... Já na das cinco horas, desde o primeiro dia a frequência é mínima, hoje não passava de vinte pessoas, incluindo o padre e os acólitos. Isso mostra que é difícil nos comprometermos e darmos algo além do trivial. Esperamos sempre grandes milagres, como ganhar na Mega Sena sozinhos, mas, não queremos investir mais do que o valor mínimo da aposta, que coloca nossa chance em uma em 50 milhões.

O mais coerente seria ajustarmos a nossa vida, os nossos ganhos, gastos e investimentos para formarmos um pé de meia ao longo da vida a fim de não precisarmos chegar à meia-idade e ter de ficar longo tempo nas filas do milagre da loteria e procedermos de forma sempre correta e justa, mantendo uma conduta ilibada, sendo caridosos, solidários e bondosos, fazendo a nossa parte, cuidando da saúde física, emocional e espiritual, para não precisarmos também ficar nas longas filas à espera de um milagre, ainda mais com o investimento tão mínimo que normalmente estamos dispostos a fazer em Deus, sem deixar nosso conforto, nosso comodismo e tudo aquilo que aparentemente nos faz bem, embora, no fundo saibamos o quanto nos faz mal. 

Isa Oliveira

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

O TEMPO NÃO NOS ESPERA
Dezembro, final de ano, fala de passagem, de transição, de mudanças e de expectativas. A vida muda ou nós mudamos dentro da vida. E quem não muda estaciona, se apega, renega a vida e fica rodando em círculos qual folha caída tocada pelo vento. Mas a vida exige mudanças, decisões e às vezes tem pressa na sua forma de agir. Ninguém pode ficar paralisado sob pena de ficar atrofiado e por fim ser  inutilizado. A vida exige ação, busca, motivação e ambição. Para muitos, final de ano pouco representa ou quase nada. Na verdade, parece ser assim mesmo, se levarmos em conta todo o contexto da vida com as suas atribuições. Mas as mudanças ocorrem e são necessárias e pungentes. Elas podem ser vistas no dia a dia, na vida das pessoas, no comércio, nas escolas e até nas igrejas. Não há como negar este fato. Quem não se adequar e não participar ficará de fora dos acontecimentos e perderá o bonde da vida e da história. É melhor se ater aos fatos, às ideias e aos ideais num crescendo, e sempre se envolvendo para não ficar para trás. É bom deixar certas situações de pouca relevância, certas conjeturas e abstrações e se enturmar no afã de viver a realidade que aí está, e não uma ficção dentro da realidade proposta. Dezembro apareceu e sorriu. Posso não ter achado nenhuma graça, mas ele é real. Ele nos convida a sair, dançar a sua música, beber do seu vinho e comer do seu prato. A vida nos dá as mãos e nos encaminha e nos ajuda na travessia. É bom nos atermos a tudo isto sob pena de ficarmos para trás e depois não conseguirmos embarcar no trem da vida, que, diga-se de passagem, já deu dois sonoros apitos. Eia! Vamos que o tempo não nos espera.

Cícero Alvernaz (autor) 15-12-2015.

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

É PRECISO AMAR O BRASIL
É preciso amar o Brasil,
mesmo que seja à nossa maneira.
É preciso cantar nosso hino
e hastear a nossa Bandeira.
É preciso conhecer o Brasil,
como se conhece um filho, um irmão,
É preciso respeitar o Brasil,
pois ele é a nossa Nação.
É preciso proteger o Brasil,
valorizar a nossa soberania.
Divulgar a nossa cultura,
ler e recitar a nossa poesia.
É preciso crer no Brasil,
disseminar os nossos valores.
Valorizar nossa música,
e estimular os cantores.
É preciso respeitar o Brasil,
rechaçar qualquer tirania.
É preciso fomentar no Brasil
o exercício da Democracia.
Cícero Alvernaz (autor), 07-12-2015.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

TÃO FORTE, TÃO FRÁGIL

TÃO FORTE, TÃO FRÁGIL

Isa Oliveira 

Havia uma mulher que amava. Amava muito.  Talvez a sua maior qualidade fosse o dom de amar. Esmerava-se em cuidar dos seus, em realizar-lhes todos os gostos, todas as vontades, todos os mínimos desejos, todos os sonhos – bem, esses demoravam um pouco mais e davam um pouco mais de trabalho, mas, não raro, abria mão dos seus próprios sonhos para realizar os dos seus próximos. “– Puxa, você também tem sonhos? – Alguns. – Nossa!”.

Ela começou a perceber que algo não ia bem num dia em que passou a tarde inteira cozinhando, se superando na preparação de pratos deliciosos e bonitos, que agradariam o paladar de todos os que lhe eram caros. Tudo ficou especial. Preparou a mesa com criatividade e carinho, para estar à altura daquelas iguarias. Dispôs a louça e os talheres com cuidado e enfeitou o centro da mesa com flores. Deixou as travessas sobre a pia e as panelas sobre o fogão, para não esfriar a comida, e foi preparar-se para também estar à altura de tão elaborado banquete.

Tomou um demorado banho, satisfeita consigo mesma, imaginando a alegria deles quando vissem a mesa linda e experimentassem os pratos tão saborosos. Até arriscou passar um creme na pele, maquiou-se, escolheu um vestido bonito, ajeitou bem os cabelos, colocou até brincos e colar e, quando desceu, para a sua surpresa e decepção, todos já tinham chegado e jantado! Ignoraram as travessas bonitas e puseram as panelas na mesa, de qualquer jeito, derrubando as flores do vasinho que ajeitara com tanto carinho.

Nas mesa, apenas sobras, panelas praticamente vazias, copos, talheres e pratos sujos. Nem um comentário elogioso, nenhum agradecimento, nem mesmo a mínima ajuda para recolher a louça suja. Colocou em seu prato a carcaça do frango que sobrara, junto com a raspa de arroz do fundo da panela. Sentiu-se a pior das criaturas e enojou-se com o perfume do creme que exalava de sua pele. Não comeu. Chorou.

Este exemplo pode parecer exagerado, mas, não é. Há teóricos que afirmam erradas as pessoas que doam e se ressentem por não receber gratidão, reconhecimento, dizem que a doação deve ser um fim em si, uma atitude desprendida e altruísta. Isso até pode ser assim para espíritos evoluídos em algum outro plano de vida, talvez para os anjos, mas, conosco, seres humanos comuns, não é assim que funciona. Tirando algumas exceções, normalmente não fazemos as coisas de forma calculada, visando buscar reconhecimento, no entanto, precisamos dele para nos alimentarmos. Um elogio sincero faz bem para a pele, faz bem para a autoestima, faz bem para a alma e estimula novas boas ações.

Digam o que disserem, apregoem a utopia que apregoarem, mas, na economia da vida, o reconhecimento é moeda fundamental. O problema não é de quem precisa dele, mas de quem não o sabe dar. A ingratidão fere mais que a lâmina de um punhal. São tantas pequenas coisinhas, aquela palavra de gentileza, o telefonema não dado, a delicadeza não retribuída, um simples obrigado pela gratuidade da dedicação alheia. Às vezes, uma pessoa move mundos e fundos, muda sua rotina, sobrecarrega-se, abre mão de coisas importantes apenas para proporcionar ao outro um prazer, uma alegria, para consolar, para ajudar na solução de um problema e o outro age como se a pessoa não fizesse mais que a obrigação. Às vezes, a pessoa deixa de comer para dar o alimento ao outro e o outro ainda diz: “Só isso?”.

No caso de nossa amiga, que naquela noite foi dormir com fome, no início, ela até ganhava um beijinho e o comentário de que estava uma delícia, mas, com o tempo, o seu dedicar-se se tornou parte do óbvio, o que deveria ser dádiva, tornou-se obrigação, o que deveria ser troca, tornou-se via de mão única e, de provedora, passou rapidamente a serviçal e os únicos comentários que ouvia eram queixas quando algo não saía totalmente do agrado dos beneficiados.

Se alguém perdia alguma coisa, logo ela achava, conhecia o lugar de tudo, pois se tornara parte de suas funções cuidar do desleixo alheio, arrumar camas, pendurar toalhas molhadas esquecidas sobre o edredom, guardar os objetos espalhados. “– Preciso disso. – Toma!”. “ – Não sei onde está. – Aqui!”. – Estou com tanta vontade... – Satisfaça-se!”. Ah, se ela tivesse percebido – e demonstrado –  a tempo que estava disponível, mas nem tão disponível assim...

Por longos anos, muito se empenhou em tudo fazer para a alegria e satisfação dos que amava que, distraídos, achavam que uma pessoa que amava tanto não precisava de amor. Tinha tanto para dar que parecia nunca precisar receber. Mas, isso é um equívoco. Todos têm fome. Todos têm sede. Todos, por mais eficientes que sejam, têm carências, têm necessidade de afagos, de pequenos cuidados, de gentilezas, de gratidão, de reconhecimento. Todos precisam do amor expresso e não apenas do amor subentendido. Até Jesus, um dia, sentiu-se frágil e angustiado e pediu aos seus melhores amigos que o acompanhassem e vigiassem com Ele, e eles dormiram...

Quando alguém dá muito, geralmente é porque tem um grande reservatório, por isso, quase nunca pede nada e, quando pede, pede muito pouco, coisas que até parecem insignificantes, mas que, para elas, significam muito, porque ninguém, por mais auto-suficiente que pareça, basta-se a si mesmo. Mas, assim como os discípulos de Jesus, nem mesmo esse pouco aqueles que estão acostumados a fartar-se na sua abundância conseguem oferecer, isso quando não reclamam e se sentem explorados por ter que dar em vez de apenas receber!

Essa mulher passou a sentir-se como uma ilha, cercada de mar e de solidão por todos os lados, visitada apenas por extrativistas que vinham colher seus cocos, suas bananas e outros nutrientes que produzia e oferecia sem reservas. Tinha apenas o movimento das ondas para consolá-la.

Como sou uma artífice das palavras, especializada em contar histórias, gostaria de dar a ela um final feliz, dizer que, finalmente, ela rebelou-se, pegou todas as economias ou vendeu algum bem e foi em busca de sua realização; que fez uma linda viagem e encontrou alguém que lhe devolvesse o gosto e o encanto de beijar na boca, que notasse as suas curvas ainda acentuadas, sempre ocultas atrás do avental da servidão; alguém que se dispusesse a desvendar os segredos de seu corpo e encontrar o jeito certo de lhe dar prazer, em lugar de apenas usufruir do prazer que ela proporcionava.

Poderia até dar-lhe um fim ameno e adequado à modernidade dos nossos dias, dizendo que ela passou a fazer hidroginástica, tomar anti-depressivos e Florais de Bach e teve uma vida tranquila e uma felicidade mediana, vivendo bem, até perto dos 80 anos. Porém, sou, antes, uma observadora – de mim mesma e da realidade que me cerca – e sinto em dizer que o fim de nossa heroína foi outro. De tanto passar fome e se conformar com as sobras, com o pior pedaço do frango, a fruta mais feia, o farelo do bolo, as raspas da panela, essa maravilhosa mulher, tão forte, tão frágil, morreu, exausta, de inanição, ainda na flor da vida. Foi tão essencial e sequer foi vista. Atente, pode haver uma mulher assim perto de você ou talvez, você a seja...



Quanto tempo me resta

Quanto tempo me resta?

Isa Oliveira

Quando eu era pequena e acreditava que o Universo se resumisse às ruas de Monte Alto, às serras da Água Limpa e do Barreiro e a Jaboticabal, lugar mais distante que eu conhecia, o meu mundo, meu norte, meu amparo, minha referência era minha mãe, Dona Olívia, e juntas costumávamos sonhar. Já nessa época, com meus seis, sete anos, minha mãe começou a fazer o enxoval do meu casamento. Lençóis, panos de prato, toalhas de banho e toalhinhas de crochê eram comprados e confeccionados com muito carinho, indo para um cantinho do guarda-roupa. A minha irmã, que até hoje chamo de Tata, onze anos mais velha que eu, já tinha o seu enxoval completo, guardado numa mala que ficava no quarto de nossos pais.
Assim era porque o sonho de minha mãe era o nosso casamento. Minha irmã já namorava sério, namorava “em casa”, como se costumava dizer, portanto, já estava encaminhada. Eu era apenas uma menina, mas minha mãe me fazia vislumbrar um horizonte tão lindo, tão exuberante que ganhar um guardanapo com minhas iniciais bordadas e um delicado biquinho de crochê me alegrava tanto ou mais do que ganhar um brinquedo. No entanto, algo destoava dessa harmonia, pois a tão sonhada felicidade colada em nossas esperanças pela delicadeza e persistência de minha mãe, não a conhecíamos na prática. O meu pai era alcoólatra, jamais tratou a minha mãe ou a qualquer dos filhos com carinho e respeito, nunca sentava para conversar conosco e fazer as refeições em família era uma utopia que não víamos nem nas novelas, porque não tínhamos televisão em casa.
Minha mãe era uma pessoa maravilhosa, dedicada, prestativa, trabalhadora. Não achávamos que ela mentisse para nós ou nos enganasse, mas, ela parecia vislumbrar algo que era interditado aos nossos olhos porque, lá em casa, só o que presenciávamos eram brigas, violência e lágrimas. Vivíamos sob o império do medo e a pior parte do dia era o retorno do meu pai para casa, porque ele chegava bêbado quase todos os dias e amostras grátis do inferno eram a nós oferecidas em doses cavalares. Bem, é fácil deduzir que o casamento foi uma realidade que não fez parte da minha vida e da vida da  minha irmã. Não que não desejássemos amar e não buscássemos ansiosamente por isso. E tão ansiosamente buscávamos que tornamo-nos presas fáceis de aproveitadores que não nos deram o ansiado lar que seria enfeitado com nosso primoroso enxoval, mas deixaram em nós as suas marcas e ambas aprendemos a carregar o rótulo de mãe solteira. Aprendemos, observando nossa mãe, que ter filho, ser mãe era a melhor coisa do mundo, mas, o casamento com o qual sonhávamos junto dela era o pior martírio que uma mulher poderia viver.
À medida que fui tirando as peças de meu enxoval do maleiro do guarda-roupa, um pedaço de mim e dos meus sonhos com ela partilhado foram se esvaindo e me entristecendo. Aquela felicidade podia até existir em algum lugar, mas, certamente não estava reservada para todos, não estava reservada para mim. Hoje os valores mudaram e o conceito de família, paternidade e maternidade se banalizaram muito e ser mãe solteira não causa grande estranhamento numa sociedade tão fragmentada e confusa, mas, 30, 40 anos atrás isso era bem mais complicado. Ter um filho solteira era manchar a honra, era ficar falada e foi essa amarga realidade que eu e a minha Tata experimentamos, embora nada em nossa vida tenha sido tão extraordinariamente bom como nossos filhos.
Fiz ainda algumas tentativas, mas, de tanto provar da realidade, nem sempre fácil, a tendência é que deixemos de sonhar e nos amoldemos aos fatos. Mas, as sementes que minha mãe plantou em meu coração eram muito resistentes e, embora o tempo tenha passado, lá dentro de mim restou a ânsia secreta de um casamento bem sucedido, um grande amor com final feliz. Na outra vida, quem sabe? Mas, e se não houver outra vida? Só que minha mãe deve ter continuado insistindo em seus sonhos lá do Céu para onde se mudou e, um dia minha solidão foi visitada por um certo Henrique, curiosamente, o nome do primeiro amor de minha infância, um Henrique que se matou aos 19 anos e cujo túmulo sempre visito quando vou a Monte Alto. E esse Henrique de agora me mostrou que os sonhos da mãezinha não eram mero devaneio, mas algo possível, limpo, correto e bom e amanhã, 31 de outubro, às 17 horas, ele estará me recebendo como sua legítima esposa aos pés de um altar, numa cerimônia sui gêneris, pois o padre celebrante será o meu querido filho, ao qual dediquei a minha vida.

O meu vestido de noiva é lindo e várias pessoas estão se esmerando nos preparativos, sobretudo minha irmã, que compreende o que significa vestir-se de noiva na minha idade. Estou flutuando como uma menina e às vezes ainda me belisco para me certificar de que estou acordada. Então me lembro que tenho 50 anos e que a duração de meu sonho será limitada pela inclemência do envelhecimento. Quanto tempo me resta para ser feliz? Essa é a pergunta que já me peguei fazendo algumas vezes, mas, a resposta é que não importa quanto tempo, pois ser feliz é uma dádiva que não se mede em duração, mas em intensidade e, mesmo que só me restasse um dia, teria valido completamente a pena viver até aqui sem deixar que o sonho de quem mais me amou morresse, porque, embora não tenha sobrado nada do meu enxoval, chegou o meu tempo de ser feliz.

Fábrica de nuvens

FÁBRICA DE NUVENS
Isa Oliveira
            Eu não tinha nenhuma ideia sobre Mogi Guaçu e nem mesmo a diferenciava de Mogi Mirim ou de Mogi das Cruzes. Talvez até mesmo confundisse a cidade com o rio. No entanto, quis o destino que meu coração de poeta fosse seduzido por um habitante desse lugar, que não é um peixe, logo, não se trata de um rio, mas de uma cidade, que passou a figurar na minha estreita geografia e adquirir contornos de tons prateados.
            Combinei com meu guaçuano amado uma viagem para a minha terra natal, Monte Alto. Como viria de Atibaia, pela Dom Pedro, para facilitar as coisas, nos encontraríamos em Campinas, na manhã de sexta-feira. No entanto, a doce agonia da saudade me levou a antecipar minha ida em um dia e a aventurar-me a encontrar a agora já interessante cidade com as parcas instruções obtidas no Google, sem GPS ou estrelas-guia para me orientar.
            Logo que fui me aproximando do sítio procurado, como é comum aos apaixonados, as mãos foram gelando e as pernas bambeando, difícil controlar os pés entre embreagem, freio e acelerador. Para distrair-me desse estado de perturbação, resolvi passear meus olhos pela paisagem e, qual não foi a minha surpresa, ao descobrir que é na região de Guaçu que são produzidas as nuvens! De uma imensa chaminé, provavelmente a maior que já vi, saía uma nuvem branquinha e muito fofa, recém produzida. A imagem extasiou-me. Cinco décadas acreditando que nuvens são formadas pela condensação do vapor que sobe da terra para, num repente, descobrir que existe uma fábrica delas! Tá, é certo que os ecologistas e muitos moradores do lugar podem não concordar com meu ponto de vista romântico sobre o denso material expelido pela grande chaminé, mas, serei irredutível nesse ponto: é uma fábrica de nuvens e fim!
            Entrando na cidade, que já me pareceu simpática desde a um pouquinho esburacada via de acesso da entrada que escolhi (nem imaginei que houvesse outras, entrei logo na primeira, como se fora a única que me levaria aos braços do amado). Rapidamente dei conta de que as orientações do Google Maps impressas numa folha A4 não me seriam de grande valia, pois placas com os nomes das ruas que deveria seguir, não as vi logo de cara. Parei então numa loja de material de construção, tentei controlar a tremedeira das pernas, entrei e perguntei pela localização da Rua Bauru. “Ih, moça, tá do ouuuuuuuuuuuuuuuutro lado”.
Pelo encompridar do “outro”, supus que a rua estivesse mais perto de Atibaia do que do ponto de Guaçu em que me encontrava. O rapaz do depósito foi extremamente gentil, saiu de detrás do balcão, foi comigo até o carro e me deu instruções precisas, cuja metade esqueci alguns quarteirões depois, mas, guardei uma referência: o Bar do Congada.
Consegui chegar até próximo da rodoviária e lá parei numa esquina para me informar. Um pedreiro desceu do andaime e veio em meu socorro, rosto suado e mãos sujas de massa. Pensou, pensou, traçou rotas a meia voz, falando consigo mesmo e dizendo: “Não, por aí é muito difícil, ela vai se perder, péra aí... Não, por ali também não...”. Atrás de mim havia um caminhãozinho parado e o motorista falava com outro homem. Sugeri ao pedreiro perguntar ao motorista e ele me explicou que não ia adiantar, porque ele também estava perdido.
Eu já estava apaixonada por Guaçu pelo simples fato de ela abrigar aquele que amo, mas, a atitude daquele homem simples nocauteou-me como um golpe de direita do punho do Anderson Silva em suas melhores lutas. Ele me pediu para esperar, entrou na obra e reapareceu com uma chave e um capacete na mão. Subiu numa moto e me pediu para segui-lo, tendo a delicadeza de ir devagar e parar para me esperar sempre que outro veículo de interpunha entre nós. Levou-me até o Bar do Congada, a poucos quarteirões do meu destino final. Desci do carro num impulso, agarrei a mão do pedreiro e a beijei demoradamente, sentindo em meus lábios o gosto acre de cimento e cal.
Com esse gesto tão humano, tão solidário, de uma pessoa que deixou seu trabalho para guiar uma desconhecida, Guaçu me conquistou para sempre. Logo mais eu seria recebida pela reação feliz do meu amado à surpresa, pelo carinho de seus pais, agora meus também; mais tarde por seus irmãos e tios e, com requintes de atenção e doçura, por seus colegas de trabalho no SENAC, mas, o impacto mesmo foi causado pelo atencioso construtor. Só não entendi como ele trabalha levantando paredes em vez de manobrando a chaminé e os fornos da magnífica fábrica de nuvens, posto que é um anjo.
Não me julgo cidadã do mundo, e sou até muito provinciana, mas, de agora em diante tenho três naturalidades: Monte Alto por nascimento, Atibaia por escolha e Mogi Guaçu por amor!


Isa Oliveira é escritora, mora em Mogi guaçu e é casada com o escritor Henrique Campos, 1º Secretário da Academia Guaçuana de Letras.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

SEI LÁ


Sei lá
Bom, não sei
Talvez sim
Talvez não
Quem sabe?
Eu gostaria que fosse assim
Mas pode não ser
E agora?
O que eu faço?
É...
Hum...
Será que vai rolar?
Pode ser que sim
Pode ser que não
Melhor esperar...
Espere um pouco!
Esperar demora muito!
Fazer o quê, né?
Esperei nove meses para nascer
Não custa esperar mais um tempo.

Luís Braga (Membro da Academia Guaçuana de Letras)

Postagem originalmente postada no blog do autor.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Reunião da AGL de novembro de 2015

A última reunião do ano de 2015 da Academia Guaçuana de Letras ocorreu no sábado, dia 21 de novembro de 2015. Ela conto com a presença de dez Acadêmicos e foi realizada ao ar livre, no Parque dos Ingás, próximo à Faculdade Maria Imaculada de Mogi Guaçu. 

A Acadêmica Fátima Fílon trouxe novas ideias: um projeto com o objetivo de angariar ou formar leitores. Todos os presentes se manifestaram sobre o assunto e a ideia será desenvolvida no próximo ano. Houve a tradicional leitura de poemas e textos, além da informação de que a primeira reunião de 2016 será festiva e inaugurará a premiação "Medalha José Maria Drupat". Eis algumas imagens cedidas pelo Acadêmico Cícero Alvernaz:

Da esquerda para a direita: Cícero Alvernaz, Joca, Afonso J. Santos, Maria Ignez, Alberto Paschoaletto, Paul Law, Fátima Fílon, Luís Braga e Mayra Fernandes

Luís Henrique Rocha Campos discursando


Fica o registro.  

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

GUERRA FRIA
Cresci ouvindo falar em direita, esquerda,
 progressistas, conservadores, democratas, ditadores...
Hoje se fala em comunistas, terroristas, golpistas,
assistencialistas, bolivaristas, castristas,
 chavistas, lulistas, dilmistas, aecistas...

Tentei entender as diferenças,
tentei separar esta salada mista de uma forma bem simplista
e acabei "saindo da pista",
 deixando a estrada e não entendendo nada.

 O que sobrou depois de tudo?
 Um sujeito quase mudo
diante de um mundo sem pista e sem ideologia.
 Literalmente eu me envolvi numa guerra fria.
Hoje continuo ouvindo histórias,
mas não caio mais no conto do vigário,
pois sei que, na verdade, é tudo a mesma coisa.

 O que se dizia esquerda hoje é direita,
 os progressistas hoje são conservadores
 e o povo é quem sofre os seus dissabores
 com essa política ridícula, entreguista e mentirosa.

 Só pra terminar:
A presidenta está "louquinha" para ressuscitar a CPMF.
Precisa falar mais alguma coisa?

 (Cícero Alvernaz (autor) 22-11-2015).

sábado, 21 de novembro de 2015

RISADINHA
Risadinha ria,
ria, ria, ria,
e quase se derretia.
Risadinha ria e se abria
como o dia,
sua risada
muitas vezes
debochada
alguém não gostava
e também não entendia.
Risadinha ria
ria, ria, ria...
Até que um dia
descobriram
que ele sofria
de uma doença
rara que fazia
ele dar tantas risadas.
E numa noite enluarada
Risadinha morreu
e levou sua risada.
Cícero Alvernaz (autor) 20-11-2015.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

FUI RECONHECIDO COMO JORNALISTA

 Depois de colaborar com a imprensa local por mais de 30 anos ininterruptamente, fui reconhecido como Jornalista (Registro 0080050/SP). Na verdade, a minha andança pelo caminho das letras começou muito cedo, ainda na adolescência. Já no primário eu me destaquei pelo fato de gostar de poesias e sempre fui bom aluno em Composição, hoje conhecida como Redação. O meu forte sempre foi a criatividade. Nunca gostei de fazer cópias, repetir o que já estava escrito. Eu sempre quis criar, inventar, incrementar, colocar o coração na Redação. Por este motivo, o meu destaque foi acontecendo naturalmente.
 Mudei para esta cidade no mês de julho de 1972 e logo em seguida retomei os estudos, concluí o Ensino Fundamental e o Ensino Médio. Ingressei no Curso de Letras, na FIMI, em 2011, mas por motivos alheios á minha vontade tive que trancar a matrícula. Sempre participei da vida cultural da cidade. Fui um dos fundadores de Casa do Escritor (CAES) em 1986 e membro-fundador da Academia Guaçuana de Letras (AGL) em 1999. Comecei a colaborar com o Jornal Gazeta Guaçuana em outubro de 1984 e o faço até hoje. Com a chegada e a popularização da internet colaborei com sites ou portais sempre escrevendo poesias ou artigos de cunho político e outros temas, inclusive crônicas e afins. Escrevi alguns artigos polêmicos que me renderam algumas inimizades, mas, para mim, o mais importantes é ficar e estar em paz com a minha consciência.
 Entendo que o dom é dado por Deus, mas cabe a quem o recebe valorizá-lo e desperta-lo á medida que vai desenvolvendo e se aprimorando de forma paulatina.  A busca pela perfeição, dentro do aprimoramento, deve ser uma constante na vida de quem escreve ou desenvolve alguma outra atividade. É um aprendizado diário com escaladas e quedas que fazem parte do dia a dia. É como um sonho que se sonha acordado e consciente. É uma busca e um encontro que se processa devagar e sempre. Vale a pena lutar pelos objetivos, com em sem reconhecimento, afinal, nada supera nem substitui a sensação e a certeza do dever cumprido.

 Cícero Alvernaz, 60, jornalista.
 Mogi Guaçu, 17 de novembro de 2015.

domingo, 15 de novembro de 2015


HUMANISMO E TERRORISMO
- Réquiem a uma França global -


Mauro Martins Santos

Não o repouso do violino, enquanto a nota dura,
Não isso apenas, mas a coexistência,
Ou digamos que o fim precede o princípio,
E que o fim e o princípio estiveram sempre ali
Antes do princípio e depois do fim.
E tudo é sempre agora.

T.S. Eliot


A infindável súplica do campo de ossos secos ao seu “deus-morte” em penosa tortura na última Anunciação, traduzirá a longa jornada humana sobre a Terra.

Há sempre noções superficiais de evolução - quando se torna cada vez mais velho o ser que se diz homem... o passado vem lhe mostrar cada minuto mais claramente a involução. Nada vale um algo que se julga evoluir quando o centro, o magma, recrudesce ao resfriamento, a se tornar um campo gélido e eterno de morte . 

A indignação original, como a toda causa um efeito - uma contrapartida é legitimada defesa - preservação dos direitos mais primários e de maior magnitude: a vida.
O passado em registros indeléveis mostra claramente a involução da sociedade humana. 

A perda de valores atingiu o cerne dos indivíduos, a moral, os princípios que os regem e sua preservação. Os valores intrínsecos foram desintegrados no que hoje é a maioria. O valor à vida desceu aos mais ínfimos patamares. Deixa de ser desenvolvimento e escancara as fauces da imensa falácia humana, à medida que vê a necessidade de eliminar-se a outro, em nome de seu “deus interior”. 

Então não há um passado a direcionar um futuro, não há a lógica sequencial do Tempo, ele passa a não existir, não mais contar.  O tempo se auto-elimina, à medida que a vida é tempo e ela não conta mais. Não há quaisquer resquícios  de evolução humana nessa esteira. O terror é a beira da escuridão do abismo.

Nesse estágio só obedece à voz que dita que se deve existir para matar o maior número possível dos que não pensam iguais a ele e seus pares e o fará sem perguntas ou raciocínio, vez que o tempo vital biológico inexiste e o presente ele desconhece a razão. 

Não há um fluir à superfície por não haver superfície. É “a olhadela por cima dos ombros, ao terror primitivo lançada.” [T.S. Eliot]

A palavra Terrorismo [do fr.terrorisme], já não acomoda mais sua gênese francesa de atos de violência perpetrados por grupos políticos para combater o poder estabelecido [sendo que este último, pode também cometer a violência contra seu povo] - pela voragem em que se arrostam os turbilhões do Tempo, há que ser fixada nas genéricas, mas representativas palavras do léxico: barbárie, carnificina, morticínio, genocídio, execuções sumárias. Podem causar, e causam o terror, mas são mais que políticos, são ideológicos, das mais abstratas e absurdas fundamentações.

Segundo o presidente da República Francesa, François Hollande, este (em 13-novembro-2015) foi o maior e pior atentado já sofrido na história da França.  O planeta quer queira quer não, agora terá neste fato um marco para estabelecer conceitos e direcionamentos de velhas questões ideológicas, e até étnicas, uma vez que a exemplo, os piores carrascos de todos os tempos, são ingleses descendentes étnicos, das periferias de Londres que se transformaram em degoladores puramente ideológicos, ao vivo pela TV. 

As reportagens e entrevistas com as autoridades francesas, também indicaram na mesma direção, quanto a Paris e sudoeste francês.
Isso mexe com princípios antes sagrados para a França: La Fraternité, Liberté et Igualité - onde a causa étnica já produz citações como a de um cidadão francês que disse: “A França já não é mais dos franceses” - dada a miscigenação fora do país, vindos para dentro de suas fronteiras, dando origem às gerações muçulmanas irredutíveis nos hábitos e costumes do Islã; como na Suíça,  onde os muçulmanos fundamentalistas estão exigindo a retirada da cruz que figura milenarmente (desde a Idade Média) na bandeira do país - embora vivendo abrigados e trazendo seus parentes para viver em seus cantões.

“Iluminisme”, berço “de  L’Humanisme” e de “Le Droit de L’Homme” estão entrando em abalo, depois de duro pronunciamento de François Hollande : “ O combate ao terror na França será sem trégua, incansável, constante e eterno”. 
Mais que um simples discurso é uma promessa e ameaça-recado. Isso causa apreensão, por ser uma ordem presidencial em resposta a atos presentes e concretos, que se alastrará e qualquer movimento suspeito. A coibição livre e vingativa é temerária ao tempo que se seguirá.

Os estrangeiros que lá estão a estudo ou já residentes, estão altamente receosos, por não ostentarem o fenótipo francês ou europeu, agravando-se não falarem o idioma local ou possuírem sotaque e "estarem errados na hora errada".

Este é o mundo humano, das criaturas que tem somente o céu sobre suas cabeças.

L'homme selon les humanistes
L'humanisme comme mouvement de pensée caractéristique de la Renaissance a défini une nouvelle image de l'homme où sont affirmées sa puissance créatrice, sa liberté de penser et d'agir. L'humanisme a fait émerger, par le fait même, une nouvelle vision du monde en redécouvrant les sources gréco-latines de notre civilisation, en critiquant les institutions et les traditions du Moyen Âge, en renouvelant nos modes de connaissances et nos savoirs.
Malgré les différentes conceptions de l'homme, du monde et de Dieu qui ont existé au Moyen Âge, il est possible de dégager un modèle général qui est propre à cette période : le théocentrisme. Les principes généraux de ce modèle sont les suivants :
1.     Le Dieu créateur est à l'origine de toutes choses (la création);
2.     Toute créature est une manifestation plus ou moins proche de la perfection divine et chaque être occupe dans la création une place immuable;
3.     L'homme est au sommet de la hiérarchie des créatures et toutes les choses ont été créées pour lui, mais pour qu'il rende grâce à Dieu;
4.     Dieu est le centre commun de toutes les créatures et tout ce qui existe a nécessairement Dieu comme fin;
5.     Ce monde ordonné et hiérarchisé est stable et définitif.

Réquiem às vítimas de um mundo em declínio:

Leia mais sobre o futuro da França, como alvo de ódio dos fundamentalistas. - http://oglobo.globo.com/mundo/alvo-de-dois-ataques-em-um-ano-franca-vira-refem-do-terror-do-medo-18050789#ixzz3rVMN7TBj

Quatro Quartetos, The Dry Salvages:
T.S.Eliot
Tradução de Ivan Junqueira

Não sei muita coisa acerca de deuses; mas creio que o rio
É um poderoso deus castanho – taciturno,  indômito e intratável,
Paciente até certo ponto, a princípio reconhecido como fronteira,
Útil, inconfidente, tal um caixeiro-viajante.
Depois, apenas um problema que ao construtor de pontes desafia.
Resolvido o problema, o deus castanho é quase esquecido
Pelos moradores das cidades – sempre, contudo implacável,
Fiel às suas iras e épocas de cheia, destruidor, recordando
O que os homens preferem esquecer. Desprezado, preterido
Pelos adoradores da máquina, mas esperando, espreitando e esperando.
Seu ritmo esteve presente no quarto das crianças,
Na álea de ailantos dos quintais de abril,
No aroma das uvas sobre a mesa de outono, 
E no halo vespertino dos lampiões de inverno.
O rio flui dentro de nós, o mar nos cerca por todos os lados;
O mar é também a orla da terra, o granito
Que ele penetra as praias onde arremessa
Indícios de uma criação pretérita e diversa:
A estrela-do-mar, o caranguejo, o espinhado de baleia;
Os abismos onde oferece à nossa curiosidade
As mais delicadas algas e anêmonas marinhas.
Cara ou coroa, ele joga nossos ossos, a rede rasgada,
O covo em pedaços, o remo estilhaçado
E os utensílios de estrangeiros mortos. O mar tem muitas vozes,
Muitos deuses e muitas vozes.
O sal está na rosa silvestre,
A névoa está nos pinheiros.
O uivo do mar,
O ganido do mar, são vozes distintas
Muita vez ouvidas juntas: o queixume do cordame,
A ameaça e o afago da vaga espedaçado sobre as águas,
O distante marulho nos dentes de granitos,
O plangente aviso do vizinho promontório
Tudo são vozes do mar, a boia sibilante
Que ronda os litorais domésticos, e a gaivota:
E sob a opressão da névoa silenciosa
O sino dobra
Medindo um tempo que não é nosso, tocado pela vagarosa 
Pulsação da terra, um tempo 
Mais antigo que o tempo dos cronômetros, e mais antigo
Que o tempo contado pelas aflitas e aborrecidas mulheres
Em vigília, calculando o futuro
Tentando esfiapar, desmanchar, deslindar
E o passado ao futuro cerzir num remendo inconsútil,
Entre a meia noite e a aurora, quando o passado é todo decepção
E o futuro ao futuro se recusa, antes que a manhã desperte,
Quando o tempo se detém e o tempo jamais se estingue.
E a pulsação da terra, desde o princípio em tudo viva,
Tange
O sino.

II
Onde fim para isso tudo, para o surdo lamento,
Para o silente agonizar das flores outonais
Que as pétalas gotejam e imóveis permanecem;
Onde fim para o termo ponha ao torvelinho do naufrágio,
A súplica do osso nas areias, à insuplicável
Súplica para a calamitosa anunciação?
Não há fim, mas adição: a repisada trilha
De tantas horas mais e mesmos sempre dias,
Enquanto o coração reclama os impassíveis
Momentos da existência, entre as ruínas
Do que se acreditou fosse o mais íntegro
– O mais capaz, portanto, de abnegação.
Há uma adição final: o malogrado orgulho
Ou o despeito ante poderes malogrados,
A fria devoção que poderá passar por indevota,
Num barco à deriva e a meio naufragar,
O tácito escutar do irrecusável clamor
Do sino que anuncia a última anunciação.
Como alcança-los, aos pescadores do mar a afora
Cauda do vento adentro, onde a bruma se enrodilha?
Não poderemos conceber um tempo inoceânico
Ou oceano algum não recamado de despojos
Ou futuro que não esteja, como o passado,
Sujeito a nunca possuir destinação.
Nós os conceberemos sempre baldeando as águas,
Traçando e orçando rumos quando sopra o Noroeste
Sobre os baixios que a erosão não desfigura
Ou cavando sua paga, secando ao cais o velame
– Não como vítimas de um périplo impagável
Por arrasto incapaz de resistir a uma inspeção.
E fim não há que termo ponha a isso tudo, ao mudo
Lamento, à infindável agonia das flores agonizantes,
Ao movimento de dor que indolor e imóvel se consuma,
Aos descaminhos do mar e ao torvelinho do naufrágio,
À súplica do osso e seu Deus-Morte. Apenas a somente, penosamente suplicável
Súplica da única Anunciação.
Parece, quando alguém se torna mais velho,
Que o passado assume outra forma, e deixa de ser uma simples sequência
– Ou mesmo um desenvolvimento: este, aliás, uma parcial falácia
Endossada por noções superficiais de evolução
Que se convertem, na mente do povo, em pretexto para renegar o passado.
Nos momentos e felicidade – não a sensação de bem-estar,
Fruição, plenitude, segurança ou afeto,
Ou mesmo a de um soberbo jantar, mas a súbita iluminação –
Vivemos a experiência mas perdemos o significado,
E a proximidade do significado restaura a experiência
Sob forma diversa, além de qualquer significado. Como já disse,
A experiência vivida e revivida no significado
Não é a experiência de uma vida apenas
Mas a de muitas gerações – não esquecendo
Algo que, provavelmente, será de todo inefável:
O olhar para além da certeza
Da História documentada, a olhadela
Por cima dos ombros, ao terror primitivo lançada.
Agora, chegamos a descobrir que os momentos de agonia
(Se eles são devidos à má compreensão,
Após esperar-se pelo equivoco ou por ele haver temido,
Não vem ao caso) são a rigor permanentes, 
Tocados dessa permanência que trespassa o tempo. Apreciamos isto melhor
Na agonia dos outros – experimentada de perto,
E que a nós mesmos nos envolve – do que em nossa própria.
Pois em nosso próprio passado cruzam correntes de ação,
Mas o tormento dos outros perdura como experiência
Inqualificada, incorrompida por subsequente atrito.
As pessoas mudam, e sorriem, – mas a agonia permanece.
O tempo que destrói é o tempo que preserva.
Tal o rio com sua carga de negros mortos, vacas e gaiolas,
A maçã amarga e a marca da dentada.
E o rochedo apunhalado nas águas incansáveis,
As vagas o lavam, as brumas o agasalham;
Num dia alciônico, ele é apenas um monumento,
Em tempos à navegação propícios, sempre um marco
A indicar o rumo – mas na estação das sombras,
Ou em meio a repentina fúria, ele é o que sempre foi.
III
Às vezes me pergunto se isto é o que Krishina quis dizer
– Entre outras coisas – ou apenas um meio de dizer a mesma coisa:
Que o futuro é uma canção esmaecida, uma Rosa Real ou um borrifo de alfazema
De nostálgico pesar por aqueles ainda ausentes daqui para o pesar,
Esmagado entre as folhas amarelas de um livro jamais aberto.
E toda subida é uma descida, todo retorno uma partida.
Não o podes encarar face a face, mas isto é certo:
O tempo não cura, e aqui já não está mais o paciente.
Quando parte o trem, e os passageiros se acomodam,
Com frutas, revista e cartas comerciais
(E os que vieram despedir-se já deixaram a plataforma)
Suas faces relaxam da tensão para o alívio,
Ao sonolento ritmo de muitas horas.
Adiante, viajantes! Não escapareis ao passado
Por viverdes outras vidas, ou em qualquer outro futuro;
Não sois os mesmos que deixaram a estação
Ou que a nenhum final de linha alcançarão,
Enquanto os trilhos se tocam e atrás de vós deslizam;
E sobre o convés do álacre navio,
Velando o sulco de espumas que atrás de vós se esgarça,
Não podereis pensar “o passado passou”
Ou o “o futuro à nossa frente se entreabre”.
Ao anoitecer, nos cordames e antenas
Uma voz balbucia (não aos ouvidos, todavia,
Murmurante búzio do tempo, ou em qualquer linguagem viva)
“Adiante, vós que julgais estar de viagem;
Não sois aqueles que viram o porto se afastar
Ou que jamais um dia à terra tocarão.
Aqui, entre as praias de cá e de lá
Enquanto o tempo se retira, considerai o futuro
E o passado como um juízo equidistante.
Neste momento, que de inércia não é e nem de ação,
Podeis aceitar isto – ‘em que qualquer esfera do ser
A mente humana pode estar atenta
À hora da morte’ – esta é a única ação
(E a hora da morte preside cada instante)
Que haverá de frutificar na vida dos outros.
E não penseis no fruto da ação.
Adiante.
Ó viajantes, ó marinheiros
Vós que chegais ao porto, e vós cujos corpos
Do mar processo e julgamento sofrerão,
Do mar ou de outro tribunal, este é o vosso real destino”.
Assim Krishina, quando nos campos de batalha
Arjuna escarmentou.
Boa viagem, não 
– Mas adiante, viajantes.

IV
Senhora, cujo santuário se alteia sobre o promontório,
Orais por aqueles que se fazem ao mar, por aqueles
Que do peixe seus sustento tiram, por aqueles
Que aos lícitos negócios se dedicam
E por aqueles que os conduzem.
Rezai outra oração pelas mulheres
Que assistiram seus filhos e maridos
Partirem para nunca mais voltar
Fligia del tuo fligio
Rainha do Céu.
Rezai também uma oração pelos que estavam nos navios,
E cujo périplo findou sobre as areias, entre os lábios do mar,
Ou na escura garganta que nunca os devolverá
Ou num abismo onde do mar jamais o som dos sinos ouvirão
Angelus perpétuo.

V
Comunicar-se com Marte, conversar com espíritos,
Historiar a conduta do monstro marinho,
Traçar o horóscopo, aruspicar ou bisbilhotar o astral,
Observar anomalias grafológicas, evocar 
Biografias pelas linhas da mão
Ou tragédias pelos dedos, lançar presságios
Através de sortilégios, ou folhas de chá, adivinhar o inevitável
Com cartas de baralho, embaralhar pentagramas
Ou ácidos barbitúricos, ou dissecar 
A trôpega imagem dos terrores pré-conscientes
– Sondar o fundo, a tumba, ou os sonhos; tais coisas são apenas
Passatempos e drogas usuais, ou manchetes de imprensa:
E sempre o serão, sobretudo alguns deles,
Quando há nações em perigo e perplexidade
Seja nas costas da Ásia, seja na Edgware Road.
A curiosidade humana esquadrinha passado e futuro
E a tal dimensão se apega. Mas apreender
O ponto de interseção entre o atemporal
E o tempo, é tarefa para um santo
– Ou nem chega a ser tarefa, mas uma coisa dada
E tomada, na morte de uma vida vivida em amor,
Fervor, altruísmo e renúncia de si própria.
Para a maioria de nós, há somente o inesperado
Momento, o momento de dentro e fora do tempo,
O cesso de distração, perdido num dardo de luz solar,
O irrevelado tomilho selvagem, ou o relâmpago de inverno,
Ou a cascata, ou a música tão profundamente ouvida
Que aos ouvidos se furtou, mas vós sois a música
Enquanto a música perdura. Tudo isto não passa de hipótese e conjectura,
Hipótese e depois conjectura; o resto
É prece, observância às normas, disciplina, pensamento e ação.
A hipótese em parte conjecturada, o dom parcialmente compreendido, é Encarnação
Aqui se atualiza a impossível 
União de esferas da existência,
Aqui passado e futuro estão
Conquistados e reconciliados,
Onde qualquer ação fosse,
De outro modo, movimento
Do que apenas é movido
Sem possuir matriz de movimento
– Guiado por demônios, *ctônicos
Poderes. E a justa ação será 
Livrar-se do passado e do futuro.
Para a maioria de nós, este é o alvo
Que aqui jamais se alcançará;
Nós, que embatidos só somos
Porque em tentar perseveramos;
Nós, satisfeitos ao final
Se nosso regresso temporal nutrir
(Não muito longe do teixo)
A vida de uma terra em plenitude.

* deuses do submundo (da mit. gr. Khthonios = da “terra”= khthon)




quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Aula Espetáculo Ariano Suassuna

                SOLIDARIEDADE

Ser solidário, consiste em se replantar em tantos vasos vazios, emprestando terra e adubo sem desanimar. Ainda que as flores destes outros demorem a surgir.



   

AINDA VALE A PENA SONHAR


Dê um basta à metafísica
em tudo tentar uma explicação.
Pense às vezes em você mesma
e deixe falar o seu coração.

Acidentes e erros
sempre vão acontecer.
Haverá sempre um malfeitor,
um vagabundo,
E não será você, tampouco,
que vai corrigir o mundo!

A natureza, que a tudo assiste
é complacente.
E insiste em ensinar
Que por trás de tantas guerras,
de picuinhas descabíveis,
ainda vale a pena sonhar!

Mayra Fernandes (Membro da Academia Guaçuana de Letras)