O Sol começava a emitir seus primeiros clarões no céu, tingindo
as nuvens de variadas cores, impossíveis de serem imitadas pela palheta de um
artista, dada tanta luminosidade e inimitáveis matizes. Tons rosas-pastel,
lilás, amarelos, esverdeados, cinzas claros e mais escuros, até intensificar em
dourado, mais e mais, conforme se via no horizonte longínquo. Já fazia algum
tempo que os primeiros raios do Sol haviam rasgado a escuridão da madrugada, e
então nascendo, o Artista começava a tingir o céu com ele, usando-o como
pincel, nas mais intensas cores. O espetáculo era deslumbrante e o Artista -
todos os dias o renova - para que nossos olhos se maravilhem constantemente com
novas paisagens e cores inimagináveis de tanta beleza. Gradativamente o céu foi
ficando mais e mais brilhante, passando do ouro à prata reluzente, e aqui e
mais distante uma elevação, uma colina, uma montanha, ainda mantinha o
claro-escuro não totalmente desfeito pelo pincel solar. Pronta a obra diária, o
céu muito azul como águas cristalinas de uma enseada tranquila, deixa-se
recortar por formas e silhuetas.
Nisto, um pássaro em voo ágil, desceu das
alturas e flanou suas asas em direção a um solitário templo. A velha igreja
tinha um jardim interno com uma fonte, alimentada por uma nascente local. O
pássaro alçado seu vôo em direção às muitas partes avariadas da construção,
adentrou o santuário afim de aplacar a sede. As paredes do templo,
mantinha-se coberta por muitos espelhos. No interior daquelas ruínas, pessoas
de boa índole e fé, ainda mantinham uma pia com água, para algum eventual
batismo. Já que, nas imediações existia uma aldeia, e de tempos em tempos ali
vinha um sacerdote, exercer seu serviço teológico à pequena população e
eventualmente algum batismo, ou ofício fúnebre. Sempre uma ou outra mulher
piedosa colocava umas flores num jarro com água para o deleite dos olhos dos
fiéis, quebrando assim o ar de desalinho e destruição que o tempo e as guerras
haviam causado àquela que fora um dia uma catedral anglicana. As flores no
entanto, se refletiam nos espelhos das paredes da capela onde adentrara o
pássaro, e o confundia com as janelas, por onde se avistavam as flores lá fora,
iguais as que no jardim, as mulheres colheram.
Pobre pássaro, totalmente confuso, começou a lançar-se
contra os espelhos, imaginando em seu pequeno cérebro que fossem janelas, e a
cada batida nas paredes foi ferindo-se mais e mais.
Incansavelmente, arfando, até que não resistiu mais às
pancadas sofridas e seu corpo frágil deixou de voar, arfar e viver. Ironicamente
caiu morto dentro da pia batismal onde foi buscar o lenitivo para não morrer de
sede. Assim, buscando aplacar a sede, o inocente e pequeno pássaro ficou muito
assustado com a multiplicidade de imagens que se desdobraram à sua frente. Não
conseguiu discernir o real do ilusório, sua sede era real, física, de todos os
seres vivos, buscou um lugar onde existisse o essencial à manutenção de sua
vida, e assim inadvertidamente a perdeu. As mulheres piedosas fizeram seu papel
e sentiram a morte do pequeno pássaro. As crianças choraram nos braços das mães
e das avós ao verem o pequeno ser já inanimado.
O velho sacerdote, mediante tal cena viu descortinar-se em
sua mente, treinada pelo tempo e pela vida pastoral, uma imagem, uma quase
parábola do Mestre, a qual poderia ser transmitida àqueles humildes aldeões,
como um sermão. Passou a dizer: - "Em todos nós filhos de Deus que já
temos discernimento, encontra-se gravado aquilo que é real e aquilo que nós
adquirimos pela vida a fora. Há os adultos que possuem maior conhecimento dos
fatos, outros existem que ainda não se deram conta da vivência, são menos
laboriosos no entendimento. E, há ainda os bem jovens as crianças em formação,
daí a responsabilidade dos pais, que se descuidarem em lhes passar os valores
sagrados dos mandamentos divinos, serão cobrados disso, aqui nesta Terra ainda,
pelo desgosto de verem seus filhos perdidos pelo mundo, como ovelhas
desgarradas, que já foi observado pelo Santo Mestre na parábola da ovelha
perdida.
Bem dizendo: temos em nosso íntimo, no fundo da alma, junto
ao real e aquilo possível de ser
adquirido, o essencial; e aquilo que é aparente. Parece, mas não é.
Brilha, mas não é ouro. É mulher bonita, mas ardilosa. O moço incauto a busca
apaixonado pela sedução, “passeia na sua calçada”- diz a palavra sagrada - mas
é mulher casada, - cujo marido está longe -, mas eis que ele volta sem dar conta e o
moço é abatido como um cão sem dono.
Eis o que é aparente, mas não é real nem
essencial. A busca de viver em paz com seus semelhantes consiste em estar
caminhando no bem exterior ao coração, à sua alma, para a satisfação do Santo
Espírito do Mestre que deve viver em nós. Disto resulta a paz de espírito. Não
podemos harmonizar uma vida correta no mundo exterior, sem ter a paz interior.
Ambas se complementam.
Se meus amados aqui presentes, puserem toda sua energia, sua
força para zelar só das aparências, das vossas imagens, como se isso fosse a
parte central formadora de suas personalidades, da razão de suas vidas,
consumirão seus dias escravizados, acorrentados como nas masmorras, por causa
dos reflexos do falso ouro, da falsa mulher, do falso homem, enfim das
enganações do mal e morrerão como o rapaz seduzido pela mulher ardilosa.
A mocinha sem marido, com um bebê mamando, outro chorando e
outro pedindo o que comer. O que é isto? São seus dias consumidos no reflexo
que o pássaro que ora vos emociona imaginou. O pássaro imaginava estar saindo
para a liberdade, assustado, quando viu os amados estarem chegando. Assim não
deveis estar cativos dos reflexos, e de rosto virado para a luz divina e sua
natureza bendita e real, ou da sua verdadeira essência. Chocar-se-ão contra
duros espelhos postados em paredes de pedra.
Meus queridos e
amados irmãos, meu caminho foi longo, portanto o final da jornada se faz breve.
Atentai para minhas palavras, que na verdade não são minhas, mas do mestre do
qual sou mero instrumento: vós precisais reconhecer fazer perfeita distinção
entre o que é acessório, supérfluo, e o que contém a verdadeira substância
vital. Façam meus amados um exercício mental diário por meio de orações. Falem
com o Pai Eterno, perguntem o que é melhor para suas vidas, peçam o
discernimento entre o que é certo e o que é errado, o que é do bem e o que é do
mal. Busquem se recuperar - porque todos nós pecamos e precisamos do perdão de
Deus - buscando o "Eu" verdadeiro, não o de fachada, aquele que se
mostra em praça pública, retirem as máscaras de bufões. Só assim as verdadeiras
flores não os enganarão como miragem ou reflexos de um espelho. A rosa do conhecimento
se abrirá gloriosa dentro do coração de cada um de vós meus amados irmãos.
Que Deus em toda sua glória, discernimento, justiça e
bondade possa abençoar minha boca, minhas palavras e seus ouvidos e que estas
sementes de flores possam germinar como se o Semeador as tivesse lançado em
terra fértil.
E como o velho
sacerdote e pastor anglicano fosse de descendência grega pronunciou, "que
seja tudo em nome de:
ICHTHYS - IESOUS CHRISTOS THEOU YÍOS
SÔTÉR
Jesus Cristo,
Filho de Deus, O Salvador
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