segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

O VERDADEIRO NATAL
 Eu quero a singeleza do Natal.
Quero ver o menino singelo e pequenino
deitado na manjedoura
sendo adorado pelos pastores,
olhado e amado por seu pais
e bafejado pelos animais.

Eu quero ver a estrela
que anunciou o nascimento do Menino
cruzando o céu, apontando pra Belém,
onde alguém tão importante
há poucos instantes
acabara de nascer.

Eu quero ver o brilho do Natal.
Seu lado lindo, doce e espiritual.
Eu quero ver José e Maria
tomados de grande alegria
festejando o acontecimento
que ali naquela noite se via.

Eu quero ouvir a música divina
que soou entoada pelos anjos
naquela noite especial.
Eu quero ter o prazer de ver,
de sentir e de viver
o verdadeiro Natal.

Cícero Alvernaz (autor) 21-12-2015.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Biblioteca Fátima Fílon recebe doação de livros

A tarde do dia 12 de dezembro de 2015 foi marcante para a Acadêmica Fátima Fílon. A biblioteca que leva o seu nome recebeu dos Lobinhos do grupo de Escoteiros Locomotiva uma doação de livros. A entrega contou com os Lobinhos, Escoteiros e Chefes, além dos Acadêmicos Fátima Fílon e Paul Law. Veja algumas imagens do evento:


Chefe Erik dando instruções aos seus Lobinhos

Fátima Fílon explicando sobre a importância da leitura


Os livros arrecadados


Bravo, bravo, bravíssimo! Fica o registro.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

À espera de um milagre


Independente da fé professada, é quase unânime entre as pessoas a crença nos milagres. Quando vemos, por exemplo, filas imensas em frente a casas lotéricas em época de Mega Sena acumulada, não há dúvida de que todas aquelas pessoas que estão ali para apostar na sorte esperam por um milagre, independente da religião que sigam ou mesmo não tendo nenhuma religião. Quando nós ou alguém de nossa família está doente, quando estamos desempregados, com dívidas a pagar, quando perdemos um amor, enfim, quando desejamos ou necessitamos de algo que parece estar além de nossa capacidade, também esperamos por um milagre.
Não sou uma pessoa cética, no entanto, mesmo tendo a fé como um valor essencial, havemos de ter coerência e bom senso. Nós somos responsáveis por tudo o que nos acontece. Alguém pode se contrapor a essa afirmação, dizendo, por exemplo, que os moradores de Mariana, MG, não podem ser responsabilizados pela catástrofe recentemente ocorrida, mas, de alguma forma, podem. As vítimas da catástrofe só o foram porque escolheram morar num lugar de risco, ainda que não fosse um risco aparente. Morar perto de uma barragem ou de um vulcão extinto ou no mangue ou nas encostas de um morro sempre representará fatores de risco. Mesmo que se fique lá por décadas sem nada acontecer, a possibilidade de uma catástrofe existe e não pode ser descartada.
Eu acredito em milagres. Acredito completamente. Já presenciei milagres na minha vida e na vida de outras pessoas, próximas ou distantes e a ocorrência de milagres, de uma intervenção sobrenatural, além de nossa compreensão, para mim é fato. A questão não é ser cético e racional a ponto de duvidar de qualquer fenômeno que a lógica e a ciência não expliquem, mas sim não confundir milagre com magia e o mundo celestial com um supermercado onde se pega o suplemento (milagre) que se precisa na hora que se quer.
Um dos principais atributos do ser humano é a sua liberdade, o seu livre arbítrio e, se os milagres acontecessem corriqueiramente, admitiríamos uma intervenção divina que feriria o princípio dessa liberdade e nos tiraria a responsabilidade pelas consequências de nossas escolhas. Podemos considerar acordar todas as manhãs, ver e ouvir como um milagre, mas, não estou tratando aqui de algo dessa subjetividade, mas sim dos milagres objetivos, concretos, como uma pessoa cega voltar a enxergar, um paralítico começar a andar, alguém com um câncer em fase terminal curar-se.
Como seres humanos limitados, seria pretensão tentar explicar as coisas espirituais, fora de nosso alcance, mas, podemos, por análise e experimentação, tecer algumas suposições e é o que eu tento fazer aqui. Para mim, a ocorrência de um milagre está atrelada à fé. Sem fé não pode haver milagres. Mas, se assim fosse, podem objetar, a Mega Sena acumulada teria milhões de ganhadores, porque todos os que fazem as suas apostas têm fé que ficarão milionários. Ocorre que é muito diferente desejar que alguma coisa aconteça e estar certo que ela acontecerá e sensibilizar a outra esfera da vida a fim de a coisa, de fato, venha a acontecer. Quem joga na loteria arrisca, quem tem fé não arrisca e nem mesmo pede a Deus coisas tolas e absurdas.
Como cristãos, na narração dos Evangelhos, podemos constatar a ocorrência de diversos milagres. A multiplicação de cinco pães e dois peixes numa quantidade que deu para alimentar mais de cinco mil homens é uma delas. Tão estonteante que chega a parecer inverossímil. Mas, para fazer esse milagre, Jesus contou com uma matéria prima, um elemento essencial, os pães e os peixinhos ofertados pelos discípulos. Isso significa que a concretização de um milagre é uma questão de parceria. Que é preciso haver um investimento, uma doação, uma oferta de nossa parte e, quase sempre, essa oferta passa pelos nossos valores morais e pela retidão de nossas intenções, isso talvez explique porque se realizam tão poucos milagres, pois estamos sempre aptos, preparados e sedentos para receber, mas, raramente nos dispomos ou nos sentimos em condições de dar. E não tomem aqui esse dar por ofertar dinheiro, como muitas vertentes religiosas vergonhosamente fazem supor, numa verdadeira venda de milagres e bênçãos. O dar a que me refiro é algo muito mais profundo – e simples.
Esta semana, na minha cidade, está ocorrendo uma atividade religiosa chamada Cerco de Jericó, que consiste em sete dias de orações e súplicas, nos quais as pessoas se comprometem a ouvir a vontade de Deus sobre suas vidas e cumpri-la, solicitando as graças que necessitam, como aconteceu com Josué no episódio da queda das muralhas de Jericó apenas pela força da oração, do toque de trombeta e da marcha dos fiéis em torno daquela fortificação, algo que foge a qualquer lógica conhecida. Como nossa paróquia ainda não possui uma igreja, o evento está ocorrendo em uma escola, na qual foram improvisados um altar e um local para o sacrário. No primeiro dia, havia uma multidão, centenas de pessoas cantando e orando entusiasmadas. São celebradas duas missas por dia, uma às cinco da manhã e outra às 19h30. Tenho assistido às duas. Na das 19h30 a frequência ainda é grande, embora diminua um pouco a cada dia, num dia porque choveu, no outro porque estava muito calor... Já na das cinco horas, desde o primeiro dia a frequência é mínima, hoje não passava de vinte pessoas, incluindo o padre e os acólitos. Isso mostra que é difícil nos comprometermos e darmos algo além do trivial. Esperamos sempre grandes milagres, como ganhar na Mega Sena sozinhos, mas, não queremos investir mais do que o valor mínimo da aposta, que coloca nossa chance em uma em 50 milhões.

O mais coerente seria ajustarmos a nossa vida, os nossos ganhos, gastos e investimentos para formarmos um pé de meia ao longo da vida a fim de não precisarmos chegar à meia-idade e ter de ficar longo tempo nas filas do milagre da loteria e procedermos de forma sempre correta e justa, mantendo uma conduta ilibada, sendo caridosos, solidários e bondosos, fazendo a nossa parte, cuidando da saúde física, emocional e espiritual, para não precisarmos também ficar nas longas filas à espera de um milagre, ainda mais com o investimento tão mínimo que normalmente estamos dispostos a fazer em Deus, sem deixar nosso conforto, nosso comodismo e tudo aquilo que aparentemente nos faz bem, embora, no fundo saibamos o quanto nos faz mal. 

Isa Oliveira

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

O TEMPO NÃO NOS ESPERA
Dezembro, final de ano, fala de passagem, de transição, de mudanças e de expectativas. A vida muda ou nós mudamos dentro da vida. E quem não muda estaciona, se apega, renega a vida e fica rodando em círculos qual folha caída tocada pelo vento. Mas a vida exige mudanças, decisões e às vezes tem pressa na sua forma de agir. Ninguém pode ficar paralisado sob pena de ficar atrofiado e por fim ser  inutilizado. A vida exige ação, busca, motivação e ambição. Para muitos, final de ano pouco representa ou quase nada. Na verdade, parece ser assim mesmo, se levarmos em conta todo o contexto da vida com as suas atribuições. Mas as mudanças ocorrem e são necessárias e pungentes. Elas podem ser vistas no dia a dia, na vida das pessoas, no comércio, nas escolas e até nas igrejas. Não há como negar este fato. Quem não se adequar e não participar ficará de fora dos acontecimentos e perderá o bonde da vida e da história. É melhor se ater aos fatos, às ideias e aos ideais num crescendo, e sempre se envolvendo para não ficar para trás. É bom deixar certas situações de pouca relevância, certas conjeturas e abstrações e se enturmar no afã de viver a realidade que aí está, e não uma ficção dentro da realidade proposta. Dezembro apareceu e sorriu. Posso não ter achado nenhuma graça, mas ele é real. Ele nos convida a sair, dançar a sua música, beber do seu vinho e comer do seu prato. A vida nos dá as mãos e nos encaminha e nos ajuda na travessia. É bom nos atermos a tudo isto sob pena de ficarmos para trás e depois não conseguirmos embarcar no trem da vida, que, diga-se de passagem, já deu dois sonoros apitos. Eia! Vamos que o tempo não nos espera.

Cícero Alvernaz (autor) 15-12-2015.

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

É PRECISO AMAR O BRASIL
É preciso amar o Brasil,
mesmo que seja à nossa maneira.
É preciso cantar nosso hino
e hastear a nossa Bandeira.
É preciso conhecer o Brasil,
como se conhece um filho, um irmão,
É preciso respeitar o Brasil,
pois ele é a nossa Nação.
É preciso proteger o Brasil,
valorizar a nossa soberania.
Divulgar a nossa cultura,
ler e recitar a nossa poesia.
É preciso crer no Brasil,
disseminar os nossos valores.
Valorizar nossa música,
e estimular os cantores.
É preciso respeitar o Brasil,
rechaçar qualquer tirania.
É preciso fomentar no Brasil
o exercício da Democracia.
Cícero Alvernaz (autor), 07-12-2015.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

TÃO FORTE, TÃO FRÁGIL

TÃO FORTE, TÃO FRÁGIL

Isa Oliveira 

Havia uma mulher que amava. Amava muito.  Talvez a sua maior qualidade fosse o dom de amar. Esmerava-se em cuidar dos seus, em realizar-lhes todos os gostos, todas as vontades, todos os mínimos desejos, todos os sonhos – bem, esses demoravam um pouco mais e davam um pouco mais de trabalho, mas, não raro, abria mão dos seus próprios sonhos para realizar os dos seus próximos. “– Puxa, você também tem sonhos? – Alguns. – Nossa!”.

Ela começou a perceber que algo não ia bem num dia em que passou a tarde inteira cozinhando, se superando na preparação de pratos deliciosos e bonitos, que agradariam o paladar de todos os que lhe eram caros. Tudo ficou especial. Preparou a mesa com criatividade e carinho, para estar à altura daquelas iguarias. Dispôs a louça e os talheres com cuidado e enfeitou o centro da mesa com flores. Deixou as travessas sobre a pia e as panelas sobre o fogão, para não esfriar a comida, e foi preparar-se para também estar à altura de tão elaborado banquete.

Tomou um demorado banho, satisfeita consigo mesma, imaginando a alegria deles quando vissem a mesa linda e experimentassem os pratos tão saborosos. Até arriscou passar um creme na pele, maquiou-se, escolheu um vestido bonito, ajeitou bem os cabelos, colocou até brincos e colar e, quando desceu, para a sua surpresa e decepção, todos já tinham chegado e jantado! Ignoraram as travessas bonitas e puseram as panelas na mesa, de qualquer jeito, derrubando as flores do vasinho que ajeitara com tanto carinho.

Nas mesa, apenas sobras, panelas praticamente vazias, copos, talheres e pratos sujos. Nem um comentário elogioso, nenhum agradecimento, nem mesmo a mínima ajuda para recolher a louça suja. Colocou em seu prato a carcaça do frango que sobrara, junto com a raspa de arroz do fundo da panela. Sentiu-se a pior das criaturas e enojou-se com o perfume do creme que exalava de sua pele. Não comeu. Chorou.

Este exemplo pode parecer exagerado, mas, não é. Há teóricos que afirmam erradas as pessoas que doam e se ressentem por não receber gratidão, reconhecimento, dizem que a doação deve ser um fim em si, uma atitude desprendida e altruísta. Isso até pode ser assim para espíritos evoluídos em algum outro plano de vida, talvez para os anjos, mas, conosco, seres humanos comuns, não é assim que funciona. Tirando algumas exceções, normalmente não fazemos as coisas de forma calculada, visando buscar reconhecimento, no entanto, precisamos dele para nos alimentarmos. Um elogio sincero faz bem para a pele, faz bem para a autoestima, faz bem para a alma e estimula novas boas ações.

Digam o que disserem, apregoem a utopia que apregoarem, mas, na economia da vida, o reconhecimento é moeda fundamental. O problema não é de quem precisa dele, mas de quem não o sabe dar. A ingratidão fere mais que a lâmina de um punhal. São tantas pequenas coisinhas, aquela palavra de gentileza, o telefonema não dado, a delicadeza não retribuída, um simples obrigado pela gratuidade da dedicação alheia. Às vezes, uma pessoa move mundos e fundos, muda sua rotina, sobrecarrega-se, abre mão de coisas importantes apenas para proporcionar ao outro um prazer, uma alegria, para consolar, para ajudar na solução de um problema e o outro age como se a pessoa não fizesse mais que a obrigação. Às vezes, a pessoa deixa de comer para dar o alimento ao outro e o outro ainda diz: “Só isso?”.

No caso de nossa amiga, que naquela noite foi dormir com fome, no início, ela até ganhava um beijinho e o comentário de que estava uma delícia, mas, com o tempo, o seu dedicar-se se tornou parte do óbvio, o que deveria ser dádiva, tornou-se obrigação, o que deveria ser troca, tornou-se via de mão única e, de provedora, passou rapidamente a serviçal e os únicos comentários que ouvia eram queixas quando algo não saía totalmente do agrado dos beneficiados.

Se alguém perdia alguma coisa, logo ela achava, conhecia o lugar de tudo, pois se tornara parte de suas funções cuidar do desleixo alheio, arrumar camas, pendurar toalhas molhadas esquecidas sobre o edredom, guardar os objetos espalhados. “– Preciso disso. – Toma!”. “ – Não sei onde está. – Aqui!”. – Estou com tanta vontade... – Satisfaça-se!”. Ah, se ela tivesse percebido – e demonstrado –  a tempo que estava disponível, mas nem tão disponível assim...

Por longos anos, muito se empenhou em tudo fazer para a alegria e satisfação dos que amava que, distraídos, achavam que uma pessoa que amava tanto não precisava de amor. Tinha tanto para dar que parecia nunca precisar receber. Mas, isso é um equívoco. Todos têm fome. Todos têm sede. Todos, por mais eficientes que sejam, têm carências, têm necessidade de afagos, de pequenos cuidados, de gentilezas, de gratidão, de reconhecimento. Todos precisam do amor expresso e não apenas do amor subentendido. Até Jesus, um dia, sentiu-se frágil e angustiado e pediu aos seus melhores amigos que o acompanhassem e vigiassem com Ele, e eles dormiram...

Quando alguém dá muito, geralmente é porque tem um grande reservatório, por isso, quase nunca pede nada e, quando pede, pede muito pouco, coisas que até parecem insignificantes, mas que, para elas, significam muito, porque ninguém, por mais auto-suficiente que pareça, basta-se a si mesmo. Mas, assim como os discípulos de Jesus, nem mesmo esse pouco aqueles que estão acostumados a fartar-se na sua abundância conseguem oferecer, isso quando não reclamam e se sentem explorados por ter que dar em vez de apenas receber!

Essa mulher passou a sentir-se como uma ilha, cercada de mar e de solidão por todos os lados, visitada apenas por extrativistas que vinham colher seus cocos, suas bananas e outros nutrientes que produzia e oferecia sem reservas. Tinha apenas o movimento das ondas para consolá-la.

Como sou uma artífice das palavras, especializada em contar histórias, gostaria de dar a ela um final feliz, dizer que, finalmente, ela rebelou-se, pegou todas as economias ou vendeu algum bem e foi em busca de sua realização; que fez uma linda viagem e encontrou alguém que lhe devolvesse o gosto e o encanto de beijar na boca, que notasse as suas curvas ainda acentuadas, sempre ocultas atrás do avental da servidão; alguém que se dispusesse a desvendar os segredos de seu corpo e encontrar o jeito certo de lhe dar prazer, em lugar de apenas usufruir do prazer que ela proporcionava.

Poderia até dar-lhe um fim ameno e adequado à modernidade dos nossos dias, dizendo que ela passou a fazer hidroginástica, tomar anti-depressivos e Florais de Bach e teve uma vida tranquila e uma felicidade mediana, vivendo bem, até perto dos 80 anos. Porém, sou, antes, uma observadora – de mim mesma e da realidade que me cerca – e sinto em dizer que o fim de nossa heroína foi outro. De tanto passar fome e se conformar com as sobras, com o pior pedaço do frango, a fruta mais feia, o farelo do bolo, as raspas da panela, essa maravilhosa mulher, tão forte, tão frágil, morreu, exausta, de inanição, ainda na flor da vida. Foi tão essencial e sequer foi vista. Atente, pode haver uma mulher assim perto de você ou talvez, você a seja...



Quanto tempo me resta

Quanto tempo me resta?

Isa Oliveira

Quando eu era pequena e acreditava que o Universo se resumisse às ruas de Monte Alto, às serras da Água Limpa e do Barreiro e a Jaboticabal, lugar mais distante que eu conhecia, o meu mundo, meu norte, meu amparo, minha referência era minha mãe, Dona Olívia, e juntas costumávamos sonhar. Já nessa época, com meus seis, sete anos, minha mãe começou a fazer o enxoval do meu casamento. Lençóis, panos de prato, toalhas de banho e toalhinhas de crochê eram comprados e confeccionados com muito carinho, indo para um cantinho do guarda-roupa. A minha irmã, que até hoje chamo de Tata, onze anos mais velha que eu, já tinha o seu enxoval completo, guardado numa mala que ficava no quarto de nossos pais.
Assim era porque o sonho de minha mãe era o nosso casamento. Minha irmã já namorava sério, namorava “em casa”, como se costumava dizer, portanto, já estava encaminhada. Eu era apenas uma menina, mas minha mãe me fazia vislumbrar um horizonte tão lindo, tão exuberante que ganhar um guardanapo com minhas iniciais bordadas e um delicado biquinho de crochê me alegrava tanto ou mais do que ganhar um brinquedo. No entanto, algo destoava dessa harmonia, pois a tão sonhada felicidade colada em nossas esperanças pela delicadeza e persistência de minha mãe, não a conhecíamos na prática. O meu pai era alcoólatra, jamais tratou a minha mãe ou a qualquer dos filhos com carinho e respeito, nunca sentava para conversar conosco e fazer as refeições em família era uma utopia que não víamos nem nas novelas, porque não tínhamos televisão em casa.
Minha mãe era uma pessoa maravilhosa, dedicada, prestativa, trabalhadora. Não achávamos que ela mentisse para nós ou nos enganasse, mas, ela parecia vislumbrar algo que era interditado aos nossos olhos porque, lá em casa, só o que presenciávamos eram brigas, violência e lágrimas. Vivíamos sob o império do medo e a pior parte do dia era o retorno do meu pai para casa, porque ele chegava bêbado quase todos os dias e amostras grátis do inferno eram a nós oferecidas em doses cavalares. Bem, é fácil deduzir que o casamento foi uma realidade que não fez parte da minha vida e da vida da  minha irmã. Não que não desejássemos amar e não buscássemos ansiosamente por isso. E tão ansiosamente buscávamos que tornamo-nos presas fáceis de aproveitadores que não nos deram o ansiado lar que seria enfeitado com nosso primoroso enxoval, mas deixaram em nós as suas marcas e ambas aprendemos a carregar o rótulo de mãe solteira. Aprendemos, observando nossa mãe, que ter filho, ser mãe era a melhor coisa do mundo, mas, o casamento com o qual sonhávamos junto dela era o pior martírio que uma mulher poderia viver.
À medida que fui tirando as peças de meu enxoval do maleiro do guarda-roupa, um pedaço de mim e dos meus sonhos com ela partilhado foram se esvaindo e me entristecendo. Aquela felicidade podia até existir em algum lugar, mas, certamente não estava reservada para todos, não estava reservada para mim. Hoje os valores mudaram e o conceito de família, paternidade e maternidade se banalizaram muito e ser mãe solteira não causa grande estranhamento numa sociedade tão fragmentada e confusa, mas, 30, 40 anos atrás isso era bem mais complicado. Ter um filho solteira era manchar a honra, era ficar falada e foi essa amarga realidade que eu e a minha Tata experimentamos, embora nada em nossa vida tenha sido tão extraordinariamente bom como nossos filhos.
Fiz ainda algumas tentativas, mas, de tanto provar da realidade, nem sempre fácil, a tendência é que deixemos de sonhar e nos amoldemos aos fatos. Mas, as sementes que minha mãe plantou em meu coração eram muito resistentes e, embora o tempo tenha passado, lá dentro de mim restou a ânsia secreta de um casamento bem sucedido, um grande amor com final feliz. Na outra vida, quem sabe? Mas, e se não houver outra vida? Só que minha mãe deve ter continuado insistindo em seus sonhos lá do Céu para onde se mudou e, um dia minha solidão foi visitada por um certo Henrique, curiosamente, o nome do primeiro amor de minha infância, um Henrique que se matou aos 19 anos e cujo túmulo sempre visito quando vou a Monte Alto. E esse Henrique de agora me mostrou que os sonhos da mãezinha não eram mero devaneio, mas algo possível, limpo, correto e bom e amanhã, 31 de outubro, às 17 horas, ele estará me recebendo como sua legítima esposa aos pés de um altar, numa cerimônia sui gêneris, pois o padre celebrante será o meu querido filho, ao qual dediquei a minha vida.

O meu vestido de noiva é lindo e várias pessoas estão se esmerando nos preparativos, sobretudo minha irmã, que compreende o que significa vestir-se de noiva na minha idade. Estou flutuando como uma menina e às vezes ainda me belisco para me certificar de que estou acordada. Então me lembro que tenho 50 anos e que a duração de meu sonho será limitada pela inclemência do envelhecimento. Quanto tempo me resta para ser feliz? Essa é a pergunta que já me peguei fazendo algumas vezes, mas, a resposta é que não importa quanto tempo, pois ser feliz é uma dádiva que não se mede em duração, mas em intensidade e, mesmo que só me restasse um dia, teria valido completamente a pena viver até aqui sem deixar que o sonho de quem mais me amou morresse, porque, embora não tenha sobrado nada do meu enxoval, chegou o meu tempo de ser feliz.

Fábrica de nuvens

FÁBRICA DE NUVENS
Isa Oliveira
            Eu não tinha nenhuma ideia sobre Mogi Guaçu e nem mesmo a diferenciava de Mogi Mirim ou de Mogi das Cruzes. Talvez até mesmo confundisse a cidade com o rio. No entanto, quis o destino que meu coração de poeta fosse seduzido por um habitante desse lugar, que não é um peixe, logo, não se trata de um rio, mas de uma cidade, que passou a figurar na minha estreita geografia e adquirir contornos de tons prateados.
            Combinei com meu guaçuano amado uma viagem para a minha terra natal, Monte Alto. Como viria de Atibaia, pela Dom Pedro, para facilitar as coisas, nos encontraríamos em Campinas, na manhã de sexta-feira. No entanto, a doce agonia da saudade me levou a antecipar minha ida em um dia e a aventurar-me a encontrar a agora já interessante cidade com as parcas instruções obtidas no Google, sem GPS ou estrelas-guia para me orientar.
            Logo que fui me aproximando do sítio procurado, como é comum aos apaixonados, as mãos foram gelando e as pernas bambeando, difícil controlar os pés entre embreagem, freio e acelerador. Para distrair-me desse estado de perturbação, resolvi passear meus olhos pela paisagem e, qual não foi a minha surpresa, ao descobrir que é na região de Guaçu que são produzidas as nuvens! De uma imensa chaminé, provavelmente a maior que já vi, saía uma nuvem branquinha e muito fofa, recém produzida. A imagem extasiou-me. Cinco décadas acreditando que nuvens são formadas pela condensação do vapor que sobe da terra para, num repente, descobrir que existe uma fábrica delas! Tá, é certo que os ecologistas e muitos moradores do lugar podem não concordar com meu ponto de vista romântico sobre o denso material expelido pela grande chaminé, mas, serei irredutível nesse ponto: é uma fábrica de nuvens e fim!
            Entrando na cidade, que já me pareceu simpática desde a um pouquinho esburacada via de acesso da entrada que escolhi (nem imaginei que houvesse outras, entrei logo na primeira, como se fora a única que me levaria aos braços do amado). Rapidamente dei conta de que as orientações do Google Maps impressas numa folha A4 não me seriam de grande valia, pois placas com os nomes das ruas que deveria seguir, não as vi logo de cara. Parei então numa loja de material de construção, tentei controlar a tremedeira das pernas, entrei e perguntei pela localização da Rua Bauru. “Ih, moça, tá do ouuuuuuuuuuuuuuuutro lado”.
Pelo encompridar do “outro”, supus que a rua estivesse mais perto de Atibaia do que do ponto de Guaçu em que me encontrava. O rapaz do depósito foi extremamente gentil, saiu de detrás do balcão, foi comigo até o carro e me deu instruções precisas, cuja metade esqueci alguns quarteirões depois, mas, guardei uma referência: o Bar do Congada.
Consegui chegar até próximo da rodoviária e lá parei numa esquina para me informar. Um pedreiro desceu do andaime e veio em meu socorro, rosto suado e mãos sujas de massa. Pensou, pensou, traçou rotas a meia voz, falando consigo mesmo e dizendo: “Não, por aí é muito difícil, ela vai se perder, péra aí... Não, por ali também não...”. Atrás de mim havia um caminhãozinho parado e o motorista falava com outro homem. Sugeri ao pedreiro perguntar ao motorista e ele me explicou que não ia adiantar, porque ele também estava perdido.
Eu já estava apaixonada por Guaçu pelo simples fato de ela abrigar aquele que amo, mas, a atitude daquele homem simples nocauteou-me como um golpe de direita do punho do Anderson Silva em suas melhores lutas. Ele me pediu para esperar, entrou na obra e reapareceu com uma chave e um capacete na mão. Subiu numa moto e me pediu para segui-lo, tendo a delicadeza de ir devagar e parar para me esperar sempre que outro veículo de interpunha entre nós. Levou-me até o Bar do Congada, a poucos quarteirões do meu destino final. Desci do carro num impulso, agarrei a mão do pedreiro e a beijei demoradamente, sentindo em meus lábios o gosto acre de cimento e cal.
Com esse gesto tão humano, tão solidário, de uma pessoa que deixou seu trabalho para guiar uma desconhecida, Guaçu me conquistou para sempre. Logo mais eu seria recebida pela reação feliz do meu amado à surpresa, pelo carinho de seus pais, agora meus também; mais tarde por seus irmãos e tios e, com requintes de atenção e doçura, por seus colegas de trabalho no SENAC, mas, o impacto mesmo foi causado pelo atencioso construtor. Só não entendi como ele trabalha levantando paredes em vez de manobrando a chaminé e os fornos da magnífica fábrica de nuvens, posto que é um anjo.
Não me julgo cidadã do mundo, e sou até muito provinciana, mas, de agora em diante tenho três naturalidades: Monte Alto por nascimento, Atibaia por escolha e Mogi Guaçu por amor!


Isa Oliveira é escritora, mora em Mogi guaçu e é casada com o escritor Henrique Campos, 1º Secretário da Academia Guaçuana de Letras.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

SEI LÁ


Sei lá
Bom, não sei
Talvez sim
Talvez não
Quem sabe?
Eu gostaria que fosse assim
Mas pode não ser
E agora?
O que eu faço?
É...
Hum...
Será que vai rolar?
Pode ser que sim
Pode ser que não
Melhor esperar...
Espere um pouco!
Esperar demora muito!
Fazer o quê, né?
Esperei nove meses para nascer
Não custa esperar mais um tempo.

Luís Braga (Membro da Academia Guaçuana de Letras)

Postagem originalmente postada no blog do autor.