quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

À espera de um milagre


Independente da fé professada, é quase unânime entre as pessoas a crença nos milagres. Quando vemos, por exemplo, filas imensas em frente a casas lotéricas em época de Mega Sena acumulada, não há dúvida de que todas aquelas pessoas que estão ali para apostar na sorte esperam por um milagre, independente da religião que sigam ou mesmo não tendo nenhuma religião. Quando nós ou alguém de nossa família está doente, quando estamos desempregados, com dívidas a pagar, quando perdemos um amor, enfim, quando desejamos ou necessitamos de algo que parece estar além de nossa capacidade, também esperamos por um milagre.
Não sou uma pessoa cética, no entanto, mesmo tendo a fé como um valor essencial, havemos de ter coerência e bom senso. Nós somos responsáveis por tudo o que nos acontece. Alguém pode se contrapor a essa afirmação, dizendo, por exemplo, que os moradores de Mariana, MG, não podem ser responsabilizados pela catástrofe recentemente ocorrida, mas, de alguma forma, podem. As vítimas da catástrofe só o foram porque escolheram morar num lugar de risco, ainda que não fosse um risco aparente. Morar perto de uma barragem ou de um vulcão extinto ou no mangue ou nas encostas de um morro sempre representará fatores de risco. Mesmo que se fique lá por décadas sem nada acontecer, a possibilidade de uma catástrofe existe e não pode ser descartada.
Eu acredito em milagres. Acredito completamente. Já presenciei milagres na minha vida e na vida de outras pessoas, próximas ou distantes e a ocorrência de milagres, de uma intervenção sobrenatural, além de nossa compreensão, para mim é fato. A questão não é ser cético e racional a ponto de duvidar de qualquer fenômeno que a lógica e a ciência não expliquem, mas sim não confundir milagre com magia e o mundo celestial com um supermercado onde se pega o suplemento (milagre) que se precisa na hora que se quer.
Um dos principais atributos do ser humano é a sua liberdade, o seu livre arbítrio e, se os milagres acontecessem corriqueiramente, admitiríamos uma intervenção divina que feriria o princípio dessa liberdade e nos tiraria a responsabilidade pelas consequências de nossas escolhas. Podemos considerar acordar todas as manhãs, ver e ouvir como um milagre, mas, não estou tratando aqui de algo dessa subjetividade, mas sim dos milagres objetivos, concretos, como uma pessoa cega voltar a enxergar, um paralítico começar a andar, alguém com um câncer em fase terminal curar-se.
Como seres humanos limitados, seria pretensão tentar explicar as coisas espirituais, fora de nosso alcance, mas, podemos, por análise e experimentação, tecer algumas suposições e é o que eu tento fazer aqui. Para mim, a ocorrência de um milagre está atrelada à fé. Sem fé não pode haver milagres. Mas, se assim fosse, podem objetar, a Mega Sena acumulada teria milhões de ganhadores, porque todos os que fazem as suas apostas têm fé que ficarão milionários. Ocorre que é muito diferente desejar que alguma coisa aconteça e estar certo que ela acontecerá e sensibilizar a outra esfera da vida a fim de a coisa, de fato, venha a acontecer. Quem joga na loteria arrisca, quem tem fé não arrisca e nem mesmo pede a Deus coisas tolas e absurdas.
Como cristãos, na narração dos Evangelhos, podemos constatar a ocorrência de diversos milagres. A multiplicação de cinco pães e dois peixes numa quantidade que deu para alimentar mais de cinco mil homens é uma delas. Tão estonteante que chega a parecer inverossímil. Mas, para fazer esse milagre, Jesus contou com uma matéria prima, um elemento essencial, os pães e os peixinhos ofertados pelos discípulos. Isso significa que a concretização de um milagre é uma questão de parceria. Que é preciso haver um investimento, uma doação, uma oferta de nossa parte e, quase sempre, essa oferta passa pelos nossos valores morais e pela retidão de nossas intenções, isso talvez explique porque se realizam tão poucos milagres, pois estamos sempre aptos, preparados e sedentos para receber, mas, raramente nos dispomos ou nos sentimos em condições de dar. E não tomem aqui esse dar por ofertar dinheiro, como muitas vertentes religiosas vergonhosamente fazem supor, numa verdadeira venda de milagres e bênçãos. O dar a que me refiro é algo muito mais profundo – e simples.
Esta semana, na minha cidade, está ocorrendo uma atividade religiosa chamada Cerco de Jericó, que consiste em sete dias de orações e súplicas, nos quais as pessoas se comprometem a ouvir a vontade de Deus sobre suas vidas e cumpri-la, solicitando as graças que necessitam, como aconteceu com Josué no episódio da queda das muralhas de Jericó apenas pela força da oração, do toque de trombeta e da marcha dos fiéis em torno daquela fortificação, algo que foge a qualquer lógica conhecida. Como nossa paróquia ainda não possui uma igreja, o evento está ocorrendo em uma escola, na qual foram improvisados um altar e um local para o sacrário. No primeiro dia, havia uma multidão, centenas de pessoas cantando e orando entusiasmadas. São celebradas duas missas por dia, uma às cinco da manhã e outra às 19h30. Tenho assistido às duas. Na das 19h30 a frequência ainda é grande, embora diminua um pouco a cada dia, num dia porque choveu, no outro porque estava muito calor... Já na das cinco horas, desde o primeiro dia a frequência é mínima, hoje não passava de vinte pessoas, incluindo o padre e os acólitos. Isso mostra que é difícil nos comprometermos e darmos algo além do trivial. Esperamos sempre grandes milagres, como ganhar na Mega Sena sozinhos, mas, não queremos investir mais do que o valor mínimo da aposta, que coloca nossa chance em uma em 50 milhões.

O mais coerente seria ajustarmos a nossa vida, os nossos ganhos, gastos e investimentos para formarmos um pé de meia ao longo da vida a fim de não precisarmos chegar à meia-idade e ter de ficar longo tempo nas filas do milagre da loteria e procedermos de forma sempre correta e justa, mantendo uma conduta ilibada, sendo caridosos, solidários e bondosos, fazendo a nossa parte, cuidando da saúde física, emocional e espiritual, para não precisarmos também ficar nas longas filas à espera de um milagre, ainda mais com o investimento tão mínimo que normalmente estamos dispostos a fazer em Deus, sem deixar nosso conforto, nosso comodismo e tudo aquilo que aparentemente nos faz bem, embora, no fundo saibamos o quanto nos faz mal. 

Isa Oliveira

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