Independente
da fé professada, é quase unânime entre as pessoas a crença nos milagres.
Quando vemos, por exemplo, filas imensas em frente a casas lotéricas em época
de Mega Sena acumulada, não há dúvida de que todas aquelas pessoas que estão
ali para apostar na sorte esperam por um milagre, independente da religião que
sigam ou mesmo não tendo nenhuma religião. Quando nós ou alguém de nossa
família está doente, quando estamos desempregados, com dívidas a pagar, quando
perdemos um amor, enfim, quando desejamos ou necessitamos de algo que parece
estar além de nossa capacidade, também esperamos por um milagre.
Não
sou uma pessoa cética, no entanto, mesmo tendo a fé como um valor essencial,
havemos de ter coerência e bom senso. Nós somos responsáveis por tudo o que nos
acontece. Alguém pode se contrapor a essa afirmação, dizendo, por exemplo, que
os moradores de Mariana, MG, não podem ser responsabilizados pela catástrofe
recentemente ocorrida, mas, de alguma forma, podem. As vítimas da catástrofe só
o foram porque escolheram morar num lugar de risco, ainda que não fosse um
risco aparente. Morar perto de uma barragem ou de um vulcão extinto ou no
mangue ou nas encostas de um morro sempre representará fatores de risco. Mesmo
que se fique lá por décadas sem nada acontecer, a possibilidade de uma
catástrofe existe e não pode ser descartada.
Eu
acredito em
milagres. Acredito completamente. Já presenciei milagres na
minha vida e na vida de outras pessoas, próximas ou distantes e a ocorrência de
milagres, de uma intervenção sobrenatural, além de nossa compreensão, para mim
é fato. A questão não é ser cético e racional a ponto de duvidar de qualquer
fenômeno que a lógica e a ciência não expliquem, mas sim não confundir milagre
com magia e o mundo celestial com um supermercado onde se pega o suplemento
(milagre) que se precisa na hora que se quer.
Um
dos principais atributos do ser humano é a sua liberdade, o seu livre arbítrio
e, se os milagres acontecessem corriqueiramente, admitiríamos uma intervenção
divina que feriria o princípio dessa liberdade e nos tiraria a responsabilidade
pelas consequências de nossas escolhas. Podemos considerar acordar todas as
manhãs, ver e ouvir como um
milagre, mas, não estou tratando aqui de algo dessa subjetividade, mas
sim dos milagres objetivos, concretos, como uma pessoa cega voltar a enxergar,
um paralítico começar a andar, alguém com um câncer em fase terminal curar-se.
Como
seres humanos limitados, seria pretensão tentar explicar as coisas espirituais,
fora de nosso alcance, mas, podemos, por análise e experimentação, tecer
algumas suposições e é o que eu tento fazer aqui. Para mim, a ocorrência de um
milagre está atrelada à fé. Sem fé não pode haver milagres. Mas, se assim
fosse, podem objetar, a Mega Sena acumulada teria milhões de ganhadores, porque
todos os que fazem as suas apostas têm fé que ficarão milionários. Ocorre que é
muito diferente desejar que alguma coisa aconteça e estar certo que ela
acontecerá e sensibilizar a outra esfera da vida a fim de a coisa, de fato,
venha a acontecer. Quem joga na loteria arrisca, quem tem fé não arrisca e nem
mesmo pede a Deus coisas tolas e absurdas.
Como
cristãos, na narração dos Evangelhos, podemos constatar a ocorrência de
diversos milagres. A multiplicação de cinco pães e dois peixes numa quantidade
que deu para alimentar mais de cinco mil homens é uma delas. Tão estonteante
que chega a parecer inverossímil. Mas, para fazer esse milagre, Jesus contou
com uma matéria prima, um elemento essencial, os pães e os peixinhos ofertados
pelos discípulos. Isso significa que a concretização de um milagre é uma
questão de parceria. Que é preciso haver um investimento, uma doação, uma
oferta de nossa parte e, quase sempre, essa oferta passa pelos nossos valores
morais e pela retidão de nossas intenções, isso talvez explique porque se
realizam tão poucos milagres, pois estamos sempre aptos, preparados e sedentos
para receber, mas, raramente nos dispomos ou nos sentimos em condições de dar.
E não tomem aqui esse dar por ofertar dinheiro, como muitas vertentes
religiosas vergonhosamente fazem supor, numa verdadeira venda de milagres e
bênçãos. O dar a que me refiro é algo muito mais profundo – e simples.
Esta
semana, na minha cidade, está ocorrendo uma atividade religiosa chamada Cerco
de Jericó, que consiste em sete dias de orações e súplicas, nos quais as
pessoas se comprometem a ouvir a vontade de Deus sobre suas vidas e cumpri-la, solicitando
as graças que necessitam, como aconteceu com Josué no episódio da queda das
muralhas de Jericó apenas pela força da oração, do toque de trombeta e da marcha dos fiéis em
torno daquela fortificação, algo que foge a qualquer lógica conhecida. Como
nossa paróquia ainda não possui uma igreja, o evento está ocorrendo em uma
escola, na qual foram improvisados um altar e um local para o sacrário. No
primeiro dia, havia uma multidão, centenas de pessoas cantando e orando
entusiasmadas. São celebradas duas missas por dia, uma às cinco da manhã e
outra às 19h30. Tenho assistido às duas. Na das 19h30 a frequência ainda é
grande, embora diminua um pouco a cada dia, num dia porque choveu, no outro
porque estava muito calor... Já na das cinco horas, desde o primeiro dia a
frequência é mínima, hoje não passava de vinte pessoas, incluindo o padre e os acólitos.
Isso mostra que é difícil nos comprometermos e darmos algo além do trivial.
Esperamos sempre grandes milagres, como ganhar na Mega Sena sozinhos, mas, não
queremos investir mais do que o valor mínimo da aposta, que coloca nossa chance
em uma em 50 milhões.
O
mais coerente seria ajustarmos a nossa vida, os nossos ganhos, gastos e
investimentos para formarmos um pé de meia ao longo da vida a fim de não
precisarmos chegar à meia-idade e ter de ficar longo tempo nas filas do milagre
da loteria e procedermos de forma sempre correta e justa, mantendo uma conduta
ilibada, sendo caridosos, solidários e bondosos, fazendo a nossa parte,
cuidando da saúde física, emocional e espiritual, para não precisarmos também
ficar nas longas filas à espera de um milagre, ainda mais com o investimento
tão mínimo que normalmente estamos dispostos a fazer em Deus, sem deixar nosso
conforto, nosso comodismo e tudo aquilo que aparentemente nos faz bem, embora,
no fundo saibamos o quanto nos faz mal.
Isa Oliveira
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