FÁBRICA
DE NUVENS
Isa
Oliveira
Eu não tinha nenhuma ideia sobre Mogi Guaçu e nem mesmo a
diferenciava de Mogi Mirim ou de Mogi das Cruzes. Talvez até mesmo confundisse
a cidade com o rio. No entanto, quis o destino que meu coração de poeta fosse
seduzido por um habitante desse lugar, que não é um peixe, logo, não se trata
de um rio, mas de uma cidade, que passou a figurar na minha estreita geografia
e adquirir contornos de tons prateados.
Combinei com meu guaçuano amado uma viagem para a minha
terra natal, Monte Alto. Como viria de Atibaia, pela Dom Pedro, para facilitar
as coisas, nos encontraríamos em Campinas, na manhã de sexta-feira. No entanto,
a doce agonia da saudade me levou a antecipar minha ida em um dia e a
aventurar-me a encontrar a agora já interessante cidade com as parcas
instruções obtidas no Google, sem GPS ou estrelas-guia para me orientar.
Logo que fui me aproximando do sítio procurado, como é
comum aos apaixonados, as mãos foram gelando e as pernas bambeando, difícil
controlar os pés entre embreagem, freio e acelerador. Para distrair-me desse
estado de perturbação, resolvi passear meus olhos pela paisagem e, qual não foi
a minha surpresa, ao descobrir que é na região de Guaçu que são produzidas as
nuvens! De uma imensa chaminé, provavelmente a maior que já vi, saía uma nuvem
branquinha e muito fofa, recém produzida. A imagem extasiou-me. Cinco décadas
acreditando que nuvens são formadas pela condensação do vapor que sobe da terra
para, num repente, descobrir que existe uma fábrica delas! Tá, é certo que os
ecologistas e muitos moradores do lugar podem não concordar com meu ponto de
vista romântico sobre o denso material expelido pela grande chaminé, mas, serei
irredutível nesse ponto: é uma fábrica de nuvens e fim!
Entrando na cidade, que já me pareceu simpática desde a
um pouquinho esburacada via de acesso da entrada que escolhi (nem imaginei que
houvesse outras, entrei logo na primeira, como se fora a única que me levaria
aos braços do amado). Rapidamente dei conta de que as orientações do Google
Maps impressas numa folha A4 não me seriam de grande valia, pois placas com os
nomes das ruas que deveria seguir, não as vi logo de cara. Parei então numa
loja de material de construção, tentei controlar a tremedeira das pernas,
entrei e perguntei pela localização da Rua Bauru. “Ih, moça, tá do
ouuuuuuuuuuuuuuuutro lado”.
Pelo
encompridar do “outro”, supus que a rua estivesse mais perto de Atibaia do que
do ponto de Guaçu em que me encontrava. O rapaz do depósito foi extremamente
gentil, saiu de detrás do balcão, foi comigo até o carro e me deu instruções
precisas, cuja metade esqueci alguns quarteirões depois, mas, guardei uma
referência: o Bar do Congada.
Consegui
chegar até próximo da rodoviária e lá parei numa esquina para me informar. Um pedreiro
desceu do andaime e veio em meu socorro, rosto suado e mãos sujas de massa.
Pensou, pensou, traçou rotas a meia voz, falando consigo mesmo e dizendo: “Não,
por aí é muito difícil, ela vai se perder, péra aí... Não, por ali também
não...”. Atrás de mim havia um caminhãozinho parado e o motorista falava com
outro homem. Sugeri ao pedreiro perguntar ao motorista e ele me explicou que
não ia adiantar, porque ele também estava perdido.
Eu
já estava apaixonada por Guaçu pelo simples fato de ela abrigar aquele que amo,
mas, a atitude daquele homem simples nocauteou-me como um golpe de direita do
punho do Anderson Silva em suas melhores lutas. Ele me pediu para esperar,
entrou na obra e reapareceu com uma chave e um capacete na mão. Subiu numa moto
e me pediu para segui-lo, tendo a delicadeza de ir devagar e parar para me
esperar sempre que outro veículo de interpunha entre nós. Levou-me até o Bar do
Congada, a poucos quarteirões do meu destino final. Desci do carro num impulso,
agarrei a mão do pedreiro e a beijei demoradamente, sentindo em meus lábios o
gosto acre de cimento e cal.
Com
esse gesto tão humano, tão solidário, de uma pessoa que deixou seu trabalho
para guiar uma desconhecida, Guaçu me conquistou para sempre. Logo mais eu
seria recebida pela reação feliz do meu amado à surpresa, pelo carinho de seus
pais, agora meus também; mais tarde por seus irmãos e tios e, com requintes de
atenção e doçura, por seus colegas de trabalho no SENAC, mas, o impacto mesmo
foi causado pelo atencioso construtor. Só não entendi como ele trabalha
levantando paredes em vez de manobrando a chaminé e os fornos da magnífica
fábrica de nuvens, posto que é um anjo.
Não
me julgo cidadã do mundo, e sou até muito provinciana, mas, de agora em diante
tenho três naturalidades: Monte Alto por nascimento, Atibaia por escolha e Mogi
Guaçu por amor!
Isa
Oliveira é escritora, mora em Mogi guaçu e é casada com o escritor Henrique
Campos, 1º Secretário da Academia Guaçuana de Letras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário