segunda-feira, 29 de janeiro de 2018
As Cortinas do Tempo: REBOZO DE SEDA BRANCA DE SOLEDAD
As Cortinas do Tempo: REBOZO DE SEDA BRANCA DE SOLEDAD: REBOZO¹ DE SEDA BRANCA DE SOLEDAD Mauro Martins Santos - Não me acorras pelo meu semblante de Maria Nem de Guadalupe, poi...
quinta-feira, 25 de janeiro de 2018
Conheça a Cia. das Artes R.F. Fílon
A Acadêmica Fátima Fílon em parceria com outros fomentadores culturais criou o canal de Youtube Cia. das Artes R. F. Fílon, cujo objetivo é divulgar a Literatura regional através de teatro com fantoches.
Confira a descrição do canal:
Cia das Artes R.F. Fílon apresenta uma saudação para 2018, com os bonecos de fantoche: Glorinha, Maria, Tuca e Divino (Vino); e outros. Com muita animação e cantoria em cordel, os quatro amigos combinam novas reuniões para um grande projeto em Arte Educação para melhorar o mundo nesse lindo planeta Terra e encantar a todos. Este é o primeiro de uma série que virá sempre abordando novos temas. Divirtam-se!
O primeiro vídeo:
Segundo Fátima Fílon, haverá espaço para cordéis, poesias e historinhas para as crianças.
Apoio Cultural:
-Vera Scholze
-Soberana Trajes Finos
-Claudinei Honorato
-Cristiano Domingos Pereira
-Rosângela Fonseca Ferreira
-Roberto Corrêa Fonseca- Pinturas em geral
Página do Facebook:
Inscreva-se:
fica o registro e a dica.
sábado, 13 de janeiro de 2018
FÁBRICA
DE NUVENS
Isa
Oliveira
Eu não tinha nenhuma ideia sobre Mogi Guaçu e nem mesmo a
diferenciava de Mogi Mirim ou de Mogi das Cruzes. Talvez até mesmo confundisse
a cidade com o rio. No entanto, quis o destino que meu coração de poeta fosse
seduzido por um habitante desse lugar, que não é um peixe, logo, não se trata
de um rio, mas de uma cidade, que passou a figurar na minha estreita geografia
e adquirir contornos de tons prateados.
Combinei com meu guaçuano amado uma viagem para a minha
terra natal, Monte Alto. Como viria de Atibaia, pela Dom Pedro, para facilitar
as coisas, nos encontraríamos em Campinas, na manhã de sexta-feira. No entanto,
a doce agonia da saudade me levou a antecipar minha ida em um dia e a
aventurar-me a encontrar a agora já interessante cidade com as parcas
instruções obtidas no Google, sem GPS ou estrelas-guia para me orientar.
Logo que fui me aproximando do sítio procurado, como é
comum aos apaixonados, as mãos foram gelando e as pernas bambeando, difícil
controlar os pés entre embreagem, freio e acelerador. Para distrair-me desse
estado de perturbação, resolvi passear meus olhos pela paisagem e, qual não foi
a minha surpresa, ao descobrir que é na região de Guaçu que são produzidas as
nuvens! De uma imensa chaminé, provavelmente a maior que já vi, saía uma nuvem
branquinha e muito fofa, recém produzida. A imagem extasiou-me. Cinco décadas
acreditando que nuvens são formadas pela condensação do vapor que sobe da terra
para, num repente, descobrir que existe uma fábrica delas! Tá, é certo que os
ecologistas e muitos moradores do lugar podem não concordar com meu ponto de
vista romântico sobre o denso material expelido pela grande chaminé, mas, serei
irredutível nesse ponto: é uma fábrica de nuvens e fim!
Entrando na cidade, que já me pareceu simpática desde a
um pouquinho esburacada via de acesso da entrada que escolhi (nem imaginei que
houvesse outras, entrei logo na primeira, como se fora a única que me levaria
aos braços do amado). Rapidamente dei conta de que as orientações do Google
Maps impressas numa folha A4 não me seriam de grande valia, pois placas com os
nomes das ruas que deveria seguir, não as vi logo de cara. Parei então numa
loja de material de construção, tentei controlar a tremedeira das pernas,
entrei e perguntei pela localização da Rua Bauru. “Ih, moça, tá do
ouuuuuuuuuuuuuuuutro lado”.
Pelo
encompridar do “outro”, supus que a rua estivesse mais perto de Atibaia do que
do ponto de Guaçu em que me encontrava. O rapaz do depósito foi extremamente
gentil, saiu de detrás do balcão, foi comigo até o carro e me deu instruções
precisas, cuja metade esqueci alguns quarteirões depois, mas, guardei uma
referência: o Bar do Congada.
Consegui
chegar até próximo da rodoviária e lá parei numa esquina para me informar. Um pedreiro
desceu do andaime e veio em meu socorro, rosto suado e mãos sujas de massa.
Pensou, pensou, traçou rotas a meia voz, falando consigo mesmo e dizendo: “Não,
por aí é muito difícil, ela vai se perder, péra aí... Não, por ali também
não...”. Atrás de mim havia um caminhãozinho parado e o motorista falava com
outro homem. Sugeri ao pedreiro perguntar ao motorista e ele me explicou que
não ia adiantar, porque ele também estava perdido.
Eu
já estava apaixonada por Guaçu pelo simples fato de ela abrigar aquele que amo,
mas, a atitude daquele homem simples nocauteou-me como um golpe de direita do
punho do Anderson Silva em suas melhores lutas. Ele me pediu para esperar,
entrou na obra e reapareceu com uma chave e um capacete na mão. Subiu numa moto
e me pediu para segui-lo, tendo a delicadeza de ir devagar e parar para me
esperar sempre que outro veículo de interpunha entre nós. Levou-me até o Bar do
Congada, a poucos quarteirões do meu destino final. Desci do carro num impulso,
agarrei a mão do pedreiro e a beijei demoradamente, sentindo em meus lábios o
gosto acre de cimento e cal.
Com
esse gesto tão humano, tão solidário, de uma pessoa que deixou seu trabalho
para guiar uma desconhecida, Guaçu me conquistou para sempre. Logo mais eu
seria recebida pela reação feliz do meu amado à surpresa, pelo carinho de seus
pais, agora meus também; mais tarde por seus irmãos e tios e, com requintes de
atenção e doçura, por seus colegas de trabalho no SENAC, mas, o impacto mesmo
foi causado pelo atencioso construtor. Só não entendi como ele trabalha
levantando paredes em vez de manobrando a chaminé e os fornos da magnífica
fábrica de nuvens, posto que é um anjo.
Não
me julgo cidadã do mundo, e sou até muito provinciana, mas, de agora em diante
tenho três naturalidades: Monte Alto por nascimento, Atibaia por escolha e Mogi
Guaçu por amor!
PROCURA-SE
UM GRANDE AMOR
Isa
Oliveira
Procura-se um amor que
busque repouso e traga aconchego. Que tenha braços fortes para sustentar uma
mulher forte, mas que tenha mãos delicadas para acariciar uma mulher suave. Que
traga nas faces sulcos feitos pelo tempo e que tenha a gentileza de tirar para
dançar uma sorridente menina vestida com a roupagem de uma mulher de meia
idade.
Procura-se um amor que,
ainda que não faça tudo o que ame, ame tudo o que faz e seja satisfeito consigo
mesmo, com sua profissão, seus afazeres, sua vida e, em não estando satisfeito,
que esteja verdadeiramente disposto a mudar e aventurar-se num novo recomeço.
Procura-se um amor que
tenha disponibilidade para estar presente nos momentos importantes, que tenha o
desejo sincero de compartilhar, mas que preze a sua individualidade e respeite
a minha; que saiba caminhar junto, mas com espaços entre os dois, a fim de não
sufocarmo-nos.
É
imprescindível que acredite em Deus acima de qualquer outra coisa. Que não
tenha uma fé vaga e utópica, uma religiosidade de conveniência e nem o
farisaísmo a arrogância doutrinária. É bastante adequado que partilhe a mesma
crença que eu, pois, conquanto respeite a diversidade religiosa, já vivi o
bastante para compreender que uniões em jugo desigual são muito desgastantes,
portanto, que seja católico, e católico praticante, não apenas de fachada. Se
for membro ou simpatizante da Renovação Carismática, ainda melhor, pois assim
falaremos as mesmas línguas: a dos homens e a dos anjos.
É fundamental que seja
livre, disponível e aberto para viver um grande amor, que não viva à busca de
aventuras fugazes, mas que tenha maturidade para aventurar-se nos intrigantes
caminhos de um amor maduro, pautado na lealdade e na fidelidade. E, quando digo
livre, é bom falar com toda a clareza: que não seja casado, namorado, amante,
enrolado em qualquer tipo de relacionamento mal resolvido. E que queira e possa
casar-se na Igreja. Que tenha equilíbrio para viver um namoro casto que pode
não passar de namoro, mas que se disponha a ser bem mais que isso.
Que tenha bons amigos,
abertos a aceitarem a minha companhia, e um coração com espaço bastante para
acolher os meus amigos. Que seja disposto à soma, à multiplicação, à ampliação
e não à divisão, a diminuição, à redução, ao apequenamento.
Pode ter um pouquinho de
ciúmes, mas, só um pouquinho, para temperar a confiança mútua. Que traga
feridas, mas já cicatrizadas ou em processo efetivo de cura, e que saiba
respeitar as marcas que em mim foram deixadas pela vida, sem querer mudá-las.
Ah, é fundamental que
seja alegre, bem humorado, que ame a vida e veja uma imensidão de
possibilidades em cada amanhecer. Que tenha o dom de me fazer rir e que se
divirta com as minhas piadas. Pode até roncar um pouquinho, mas que sempre
tenha nos lábios um “Bom dia, querida!” e que jamais adormeça de cara feia, sem
um “Boa noite, princesa!”. Que traga encanto, aconchego e carinho às minhas
noites, que as prolongue até as madrugadas, e que se disponha a deixar-se ser
completamente amado e saciado por minhas carícias. Que adormeça sereno, me aquecendo
com o calor do seu corpo e que não ria por eu sempre dormir de meias. É, pode
roncar um pouquinho.
Não precisa ser um padrão
de beleza, mas que não seja desleixado, que se aprecie, que valorize seus
pontos fortes e conviva bem com os pontos fracos; que se saiba único, que cuide
de sua saúde, use perfumes gostosos, tenha sempre o desejo de estar bonito para
deleitar meus olhos. Que não espere de mim esplendores de fruta verde, mas que
se disponha a degustar com calma o meu sabor de fruta madura. E que jamais
insinue que silicone cairia bem em alguma parte do meu corpo, sou absolutamente
natural e em paz com o vigor de meus 50 anos. E que seja alto, pois tenho 1,75m
e gosto de usar salto!
Que seja presente, pois
já reencontrei amores de outrora e, conquanto isso seja encantador e
nostálgico, ainda que minha alma deseje, meus pés não podem percorrer o terreno
do passado; apenas a estrada do hoje me pertence e me conduz aos encantos de um
futuro sonhado. Que se dê no tempo do hoje o nosso encontro – e que seja breve.
Ah, nem preciso falar que
é condição “sine qua non” que goste de ler (rs), ainda que não escreva. Que
aprenda a viajar nos meus textos, que me incentive nos meus voos literários e
tenha sabedoria para respeitar a minha necessidade de solidão quando estou
compondo.
Também não espero que
seja rico, mas que tenha uma economia equilibrada. Que não seja sovina e nem
perdulário. Que não dê ao dinheiro nem mais e nem mesmo importância do que ele
deve ter para uma vida sem desnecessários percalços. Que saiba, com muita
clareza, dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.
Se tal encantador amante
morasse em minha cidade, seria algo como tirar a sorte grande, comprar o
bilhete premiado, mas, não importa de onde seja, é importante que se disponha a
mudar-se para as montanhas de minha Atibaia, pois não tenho planos de deixar
meu recanto, que venho construindo há anos para recebê-lo e abrigá-lo, um lugar
de sonhos.
Ah, seria interessante
que tivesse um carro com tração nas quatro rodas, porque chegar aqui é algo
meio próximo do rali Paris/Dakar. É para pessoas que prezem mais o caminho do
que o meio de transporte. É tipo assim Fusca, Jipe, Rural... Mas, isso é só um
detalhe, eu tenho um excelente mecânico e já sou praticamente cliente vip da
oficina de alinhamento, balanceamento, troca de suspensão e amortecedores.
Portanto, aqueles moços simpáticos que têm verdadeiros casos de amor com seus
carros luxuosos, infelizmente terão de ser descartados...
Que tenha cultura e
conhecimentos diversificados, porém, mais que isso, que possua sabedoria. Que
conheça uma porção de coisas e goste de conversar sobre elas, que goste de
ensinar o que sabe e aprender coisas novas. Que não seja do tipo arrogante, que
preze muito ter razão em tudo; que, assim como eu, conquanto um pouquinho
teimosa de vez em quando, já tenha aprendido a escolher ser feliz em vez de ter
sempre razão. Que não seja excessivamente problemático, mas, que tenha
suficientes imperfeições para não ser um chato!
Precisa ser apaixonado
por cachorros, pois vivo cercada deles e ainda me relaciono com alguns
dispersos pela vizinhança. Que não ria de mim por eu não saber andar de
bicicleta, mas, que esteja disposto a ensinar-me. Que nunca diga que eu dirijo
mal, mesmo quando eu dirigir mal (não existe coisa mais irritante que homem que
critica uma mulher ao volante!).
Adianto que cozinho bem,
que tenho uma relação meio alquímica com o ato de cozinhar, mas apreciaria
imensamente que meu futuro amor também o fizesse, que cozinhasse para mim, que
cozinhássemos juntos, que nos auxiliássemos nessa arte e, sobre aquela parte de
lavar a louça... bem, é claro que um homem especial como esse que caminha ao
meu encontro amará lavar, secar e guardar a louça e, claro, limpar o fogão de
vez em quando!
O que mais posso esperar
desse amor sonhado? Que seja carinhoso, que goste muito de beijar na boca,
fazer coisas bobas como andar na chuva, namorar na varanda em noites de lua
cheia, ficar de bobeira na rede, jogando conversa fora, andar abraçado ou de
mãos dadas, abrir a porta do carro, carregar as compras. Que tenha
disponibilidade para cuidar e abertura para ser cuidado.
Que goste de levantar
cedo e que se deleite com o pôr-do-sol, do tipo que para o carro na estrada
para apreciar esse momento mágico. Que se extasie com o arco-íris. Que ria
muito e me faça rir muito, e nunca me peça para não chorar e muito menos que
não tenha coragem de chorar.
Que não seja muito dado à
bebida, apenas um vinho de vez em quando, eventualmente uma cervejinha. Que
tenha aversão ao cigarro e, preferivelmente, não seja fanático por futebol, do
tipo que assiste 47 reprises do mesmo jogo num único domingo...
Que jamais grite comigo e
nunca admita que eu grite consigo; que converse sempre olhando nos olhos. Que
me permita descalçar-lhe os sapatos e massagear seus pés e que também se
disponha a fazer isso com os meus. Que não se sinta ameaçado com a minha
independência e nem me fira com a sua. Que tenha a força de admitir-se fraco e
a coragem de se reconhecer aprendiz. Que ame a viagem mais do que o destino e o
repouso mais do que a agitação inútil. Que seja romântico, mas sem ser
pegajoso. Que opte pelo silêncio em vez
dos lugares comuns e frases feitas, como dizer a uma pessoa deprimida para ter
força de vontade.
Que tenha noção de suas
imperfeições e defeitos, mas que tenha a ousadia de superar-se. Que tenha amor
à disciplina, que seja caridoso e tenha interesse real pelas pessoas. Seria bom
que tivesse filhos, pois é sublime ser agraciado com essa bênção, mas, que,
tendo-os ou não, ainda considere a possibilidade de ter outros, pelas vias
naturais, contando com os avanços da medicina, ou pelas vias da misericórdia,
diante de tantas crianças sem lar e abandonadas. Que queira de fato construir
uma família.
Que queira envelhecer
junto e voltar a ser criança de mãos dadas. Que aprecie o avanço tecnológico,
mas não se escravize a isso e ainda se disponha a escrever longas cartas de
amor ridículas e açucaradas e que sempre me dê flores, ainda que roubadas.
Enfim, que tenha amor
bastante para preencher-me, mas que também tenha suficiente espaço vazio para
receber a dádiva do amor que me vai na alma e que está para ele reservado,
maturando-se e adquirindo novos sabores a cada dia, como vinho antigo. Não
importa que tenha pés cansados desde que tenha suficiente fé para acreditar que
encontrará em mim o conforto de um sapato laceado, o número exato para pés
machucados.
Bem, se você for este
homem que procuro e que espero também esteja à minha procura, não perca mais
tempo, caminhe rumo à construção da nossa felicidade. Se você não for este
homem, mas conhecer um que se pareça com ele, dê-lhe meu endereço, conte-lhe
que estou à sua espera, sem desespero, sem angústia, com calma e serenidade,
mas, que já não tenho 18 anos e o tempo não deixa de caminhar apenas para
retardar nosso encontro. O tempo é agora. Venha! Estarei tomando um chá de
erva-doce com pétalas de rosa, sentada na cadeira de balanço da varanda,
enquanto você caminha na minha direção. Mas, não se demore por demais, não
pretendo perder o viço do que resta da juventude com a qual desejo
presenteá-lo.
sexta-feira, 12 de janeiro de 2018
Quando morre a paixão?
Isa Oliveira
No
último fim de semana estive num hotel tido como referência na região em que
moro. Situado no campo, entre Mogi Mirim e Mogi Guaçu, com lindos jardins ao
redor, o hotel chama a atenção de quem passa na rodovia. Pesquisando na internet,
podemos ver a beleza daquilo que não se vê de fora: piscinas, salas
sofisticadas, quartos bem decorados, refeitório suntuoso.
Foram
várias tentativas de fazer a reserva por telefone, mas, a linha sempre dava
ocupada, então resolvemos ir pessoalmente ao local, torcendo para não estar
lotado, pois queríamos fazer a reserva para a noite de sábado para um casal de
amigos que se casaria naquele dia e acabáramos de saber que iriam passar a
noite de núpcias em casa. Foi um presente de última hora, improvisado. Quando
chegamos na portaria, encontramos o portão aberto, a guarita vazia e ar de
abandono, o que se acentuou à medida em que fomos nos aproximando da entrada.
Os jardins, antes bem cuidados, estavam desleixados, com mato crescido
sufocando as flores. Na recepção, apenas uma funcionária que nos explicou que o
hotel não possui mais telefone fixo, por isso não conseguimos ligar. Prestativa,
levou-nos para conhecer a suíte, bonita, mas com ares de estar fechada há muito
tempo. O corredor estava empoeirado, notava-se que não era varrido há dias. Uma
manhã ensolarada e ninguém na piscina, no hall de entrada ou nas salas
aconchegantes. No amplo estacionamento, apenas dois carros. Fizemos a reserva,
mas, não conseguimos pagar com cartão, posto que não havia linha telefônica e
tivemos que voltar depois para pagar em dinheiro.
Mais
tarde, no casamento, era contagiante a paixão dos jovens noivos, seu
entusiasmo, o primor com que prepararam todos os detalhes da festa. Uma paixão
que contagiou muita gente, formando uma verdadeira corrente do bem entre os
colegas de trabalho da noiva: o professor de gastronomia preparou as entradas e
o jantar, com o auxílio de outra colega, cujo marido se dispôs a servir os
convidados, uma atendente ajudou a arrumar as mesas e fazer a decoração do
ambiente, o professor de moda desenhou e costurou o vestido, a professora de
maquiagem arrumou a noiva, meu marido, também colega de trabalho, fez as fotos.
Enfim, uma paixão que contagiou toda uma equipe e fez com que, mesmo com pouco
dinheiro, os noivinhos conseguissem realizar o seu grande sonho.
Uma
coisa, porém, chamou a minha atenção. Na mesa em que nos sentamos, havia quatro
casais, incluindo eu e meu marido, todos em seu segundo casamento. Então pensei
no hotel, antes tão glamoroso e agora, praticamente falido, certamente com os
dias contados para fechar as portas de vez. Pensei em cada pessoa naquela mesa,
que um dia sonhou com um “felizes para sempre” que não se concretizou. Pensei
num casal com o qual convivo de perto que está junto há 50 anos. Em aparência,
um casamento que deu certo, mas, são duas pessoas que não suportam ouvir a voz
uma da outra, uma simples palavra irrita e, estar na companhia deles é estar
fadado a ouvir um rosário de lamúrias e lamentações, algo insuportável.
Então,
me perguntei, quando morre a paixão? Por que morre a paixão? Como morre a
paixão? Quando nos apaixonamos, por algo ou por alguém, costumamos estar
atentos aos menores detalhes, a todos os sinais e vamos caprichando e nos
envolvendo cada vez mais. Tudo tem sentido, tudo é prazeroso, agradável,
colorido. É assim no amor, no trabalho, na casa que decoramos com esmero,
naquilo que nos move, como escrever, fotografar, construir, vender, pintar, dar
aulas, atender pacientes, fazer cirurgias, cozinhar, dirigir, enfim, seja o que
for que escolhemos para fazer na vida, é algo que nos enleva, nos motiva, nos
dá razão de ser.
Há
uma música do Beto Guedes que diz: “a
primeira vez que eu me vi dentro do seu olhar.”. Isso é lindo, e é
fantástico nos vermos dentro do olhar de alguém, mas, por que demoramos tanto a
perceber que já não estamos dentro do olhar do outro e nem ele dentro do nosso,
o dia a dia nos enfada, limpar a casa nos cansa, ir para o trabalho a cada
segunda-feira nos destrói? A gente começa a ter de fazer, a ter de conviver, a
ter de trabalhar, a suportar, depois a empurrar, a fazer força para respirar em
meio ao que nos sufoca, nos oprime.
Eu,
como muitos, já me apaixonei e desapaixonei por coisas e pessoas e sei o quanto
é bom viver movido pela paixão e o quanto é ruim, trágico e pesado viver sem
ela. A paixão move o mundo, as grandes invenções são frutos da ação de pessoas
apaixonadas, pessoas que acreditam na vida e na transformação. Mas, um hotel,
uma loja, uma empresa que fecham as suas portas, um casamento que acaba em
divórcio ou numa pesada convivência de fachada entre pessoas que não se
suportam, uma profissão que se transforma num peso, num enfado, são coisas
muito tristes que podem nos levar à depressão, a fugas, a vícios, a traições, a
tristezas sem explicação.
Acho
que o grande segredo para evitar chegar a esses pontos cegos, a esses
labirintos aparentemente sem saída é o timing,
é estarmos atentos, percebermos os pequenos sinais, as pequenas decepções, as
pequenas quedas de temperatura. Nada passa do quente ao gelado abruptamente, de
uma hora para outra, há um longo período de mornidão entre esses dois extremos.
E o morno é que é o grande perigo, pois nos leva a nos acomodarmos, a fazermos
de conta que está tudo bem e que, a qualquer momento, vai esquentar de novo.
Mas, isso raramente acontece e vamos, dia a dia, passo a passo, caminhando do
morno para o frio, até não ter mais a menor motivação para sequer pensar em
reaquecer o que esfriou.
Eu
não sei qual é a solução para isso, apenas desejo estar atenta e sensível o
bastante para perceber quando o caldo começar a amornar e quando começar a me
tornar ausente do olhar em que um dia me vi. Creio que a responsabilidade pela
manutenção da paixão em nossas vidas é algo que está em nossas mãos e requer
muita atenção e delicadeza. Uma fogueira não se apaga se nos dispomos a puxar
as brasas, soprar as cinzas e colocar mais lenha. Nosso grande mal talvez seja
fazer de conta que não vemos o óbvio ou então esperar por um milagre que faça
tudo ficar bem de novo. Aí o milagre não vem, colocamos a culpa no outro, no
chefe, na empresa, no governo, na política, no Lula, no Temer, no Eduardo
Cunha, e simplesmente perdemos o que deixamos esfriar, o que não alimentamos, o
que não nos demos ao trabalho de cultivar. C’est
la vie!
Não ter
e ter que ter pra dar
Isa
Oliveira
Há
momentos na vida em que nos sentimos tão abundantes que nosso maior desejo é
dar. Já saímos da cama dispostos a dar um caloroso bom dia a quem encontrarmos,
e damos sorrisos, abraços, palavras amigas, esmolas, dividimos nosso almoço,
nosso lanche, damos o melhor no trabalho, aos amigos, à pessoa amada,
extrapolamos em criatividade. É uma sensação de transbordamento, sentimos que,
se não dermos, vamos vazar ou estourar.
Mas, há
dias, em que nos sentimos chochos, esgotados, com pouca energia, pouco ânimo,
pouca vontade, vazios. Nesses dias, levantar da cama é um tormento, responder a
algum bom dia que recebamos é uma dificuldade, quanto mais dá-lo. Não temos
sorrisos, não temos disposição, não temos gentileza, preferiríamos que nosso
cachorro fosse apenas um tapete e não uma criatura que faz xixi onde não deve,
nos momentos que não deve e parece ser movido a pilhas alcalinas, pois tem uma
energia inesgotável e está sempre disposto a fazer festa e pular em nós, mesmo
quando estamos com cara de defunto que levantou da cova. Desejamos não ver
ninguém para não ter de abraçar, conversar e responder ao inevitável: “Como
vai? Tudo bem?”. O trabalho nos enfada, os amigos nos irritam e a pessoa amada
se torna algo inadequado.
Em dias
normais e, sobretudo nos dias de alegria, podemos conversar sobre tudo,
qualquer assunto é prazeroso, rimos até do caos da nossa política com suas
falcatruas e jogadas que extrapolam a ficção. Nos sentimos lindos, jogamos
beijinhos pro espelho, gostamos do nosso cabelo e nos sentimos bem dentro de
qualquer roupa. Saudamos o sol ou a chuva ou o frio e até a água que tomamos
parece ter sabor. Já nos dias cinza, tudo nos desagrada e, ao ouvir os
inevitáveis comentários na TV, nas ruas, no trabalho, em casa sobre mais um
esquema de corrupção, mais uma prisão, libertação de um preso ou delação
premiada, sentimos vontade de jogar uma bomba atômica em Brasília ou ao menos
encontrar alguns desses bizarros personagens frente a frente e poder lhe dar um
soco bem no meio da cara. Nem passamos perto do espelho para não correr o risco
de querer quebrá-lo diante da tenebrosa imagem de nós mesmos que ele nos mostra;
qualquer roupa que coloquemos nos fará sentir horrorosos, nosso cabelo não
ajeitará nem com chapinha, Gomex ou lâmina zero, até a água vai ter sabor
amargo e o sol, a chuva ou o frio sempre parecerão inadequados e nos farão
odiar aquele dia com o seu clima próprio. Tudo será demais, calor demais, frio
demais, chuva demais.
Não
entendemos porque nos sentimos assim. Especialistas podem tentar achar motivos
que desencadeiam esse torpe estado de espírito, seja num acontecimento recente,
nos traumas de infância ou na vida passada. A verdade é que não há lógica e nem
explicação. Somos mutantes e sofremos alterações de humor que nos azedam e
azedam tudo ao redor e, dependendo do que acontece, pode nos levar a crer numa
conspiração do universo para nosso mau dia (que rapidamente confundimos com uma
má vida, esquecendo de toda a gama de dias bons que já vivemos e certamente
viveremos). Geralmente é nesses dias que o leite derrama, o pão cai com a
manteiga para baixo, o salto do sapato quebra, a meia desfia, perdemos a
condução, o pneu do carro fura... Parece que nosso estado de espírito consegue
atrair coisas ruins. Na verdade, coisas ruins acontecem o tempo todo, a
diferença é que, se estamos bem, buscamos soluções, superamos ou rimos delas.
Mas, nos dias ruins, o zumbido de um pernilongo pode provocar uma guerra.
Podemos
estar – e é ideal que estejamos – atentos a esses misteriosos e sombrios dias
de nuvens negras e, se não for possível evitarmos o convívio, tentarmos evitar
pelo menos os confrontos e nos comportarmos da forma mais amena e imparcial
possível. Temos de desenvolver um mecanismo de lembretes que nos permitam ter
consciência que esse mal-estar, esse esvaziamento de energia só está
acontecendo com a gente e que vai passar. Principalmente porque o mau humor é
contagioso e, se estamos chatos, desanimados, arredios e agressivos, acabamos
afetando outras pessoas e o que pode decorrer daí varia ao infinito.
Esses
são os dias em que a gente deseja colo de mãe, mesmo sem ter mais mãe ou que
Deus, o anjo da guarda ou seja o que for em que acreditamos nos salve de nós
mesmos. São dias, sobretudo, de vazio, de muito vazio e, nesses dias, o mais
triste, como diz a música “Sabe lá”, do Djavan, é não ter e ter que ter pra
dar, porque o nosso cachorro não é um tapete, nossos amigos não são uma rede de
esgoto, o trabalho é nossa responsabilidade e a pessoa amada não é um estranho
e nem um inimigo e, muitas vezes, o seu estado de espírito depende do nosso.
Então, mesmo em meio ao caos, mesmo que os problemas e as dificuldades sejam
reais, mesmo que a vontade seja de fugir, sair correndo até onde o fôlego permitir,
quebrar o espelho, socar o político ou gritar com alguém, o negócio é respirar
fundo e tentar encontrar algum resquício do bom e do belo dentro da gente ou –
o mais difícil – ter a humildade de pedir colo, de pedir arrego, de pedir
ajuda, porque não somos super-heróis, somos apenas pessoas que um dia estão bem
e outros nem tanto e há dias de dar e dias de pedir.
Como
escolher um amigo?
Isa Oliveira
Sem querer tirar o
crédito do destino, podemos dizer que escolhemos a pessoa com quem vamos nos
casar – está certo que nem sempre escolhemos bem, mas, escolhemos. Já com os
amigos, podemos dizer a mesma coisa? A escolha de um namorado ou namorada é
precedida de alguns pré-requisitos, como altura, cor do cabelo, tipo físico,
escolaridade, profissão, tipo de personalidade etc. É claro que às vezes
namoramos alguém que não tem nada a ver com aquilo que gostamos e, em alguns
casos, pode até dar certo, mas, geralmente, escolhemos baseados em nossos
valores e idealizações. Já com um amigo, não é assim. A gente não diz que quer
um amigo loiro, de 1,80m, formado em engenharia ou uma amiga mignon, de cabelos
compridos, que adore crianças e queira muito ter filhos. Os amigos simplesmente
acontecem, eles entram na nossa vida de maneira imperceptível, vão se
instalando, vão ficando e as afinidades vão se delineando, os laços se
estreitando e, quando se vê, a gente tem um pacto de vida, uma união de alma
com aquela pessoa, seja ela como for.
Ao longo da vida,
conhecemos muita gente, fazemos muitas amizades, mas, a maioria é fugaz,
passageira, amigo mesmo, aquele que diz o que a gente precisa ouvir, com quem
nós sempre podemos contar, que nos empresta dinheiro e nos pede dinheiro
emprestado, que divide conosco os seus segredos e com quem dividimos os nossos
e que muitas vezes parecem nos conhecer melhor que nós mesmos, esses são
poucos. Dá pra contar nos dedos das mãos, às vezes de uma só mão. Eu ainda uso
as duas nessa contagem, embora sobrem dedos. Alguns desses amigos já estão na
minha vida há mais de 40 anos, outros há menos tempo, mas ocupam o mesmo lugar
de destaque e são pessoas que me acompanharão a vida toda e além. “Ao infinito e além!”, como dizia o emblemático
Buzz Lightyear, em Toy Story. São pessoas que
conhecem partes de mim que não estão “abertas ao público”, partes boas e partes
ruins, partes que aprecio e partes que não louvo.
Hoje
moro numa cidade que conheci há apenas dois anos e não tenho amigos aqui. Tinha
no trabalho algumas relações que poderiam evoluir para a amizade, mas, como
parei de trabalhar, essas relações se romperam sem ultrapassar a barreira da
polidez e da formalidade. Meus grandes amigos estão em Monte Alto e em São
Paulo. Um entre eles é cidadão dos ares. Por ser comissário de bordo, está
sempre sobre asas e não tem parada certa, embora mantenha um local como
endereço postal. Outra, já voa com asas próprias, pelos jardins do céu. Mas
todos estão tão perto, tão dentro e tão em volta de mim, uma vez que estou
dentro deles também... Sinto falta de ter, aqui em Mogi Guaçu, alguém nessa
categoria de amigo, alguém pra tomar um chá, um chop ou uma chuva junto. Alguém
pra falar asneiras ou pra discutir o assunto mais importante do universo,
alguém que me olhe e me veja e que eu também consiga olhar e ver. Entendam,
isso não é uma lamentação, apenas uma constatação, afinal, embora Richard Bach
afirme magnificamente num livro sobre amizade que “longe é um lugar que não
existe”, como não ando sobre asas de aço ou sob asas de anjo, Monte Alto e São
Paulo são locais longe o suficiente, e isso me faz sentir uma infinita saudade,
porque um e-mail, um whatsapp ou mesmo um telefonema nunca serão capazes de
substituir um abraço, um aconchego, , um cafezinho coado na hora, um olho no
olho.
Esses dias recebi uma mensagem de um amigo que muito me
emocionou por relembrar um dia em que ouvíamos uma música e ele me perguntou
quem cantava e eu respondi, displicente. Eu jamais me lembraria desse fato, de
anos e anos atrás, mas, ao ouvir a música, ele se lembrou, certamente não
apenas pela beleza dela, mas pelo significado que teve o meu jeito de falar, a
entonação de minha voz, ou algo assim que o marcou, que eternizou aquele
momento para ele. Contando isso, ele me escreveu: “Me lembro de te perguntar quem cantava essa música e sem que olhasse pra
mim, me respondeu - Placido Domingo... e se chama "Perhaps
Love". Havia tanta coisa que eu não me atentava, tantas nuances que
escapavam do meu olhar cru... hoje sei que você não estava ouvindo a música,
você a estava sentindo e isso exigia sensibilidade, ou melhor dizer intimidade
com a experiência. Viver algo significa abandonar o mundo das teorias e
embarcar numa viagem sem mapa rumo ao horizonte, o qual insiste teimosamente em
se distanciar cada vez que chegamos perto. De tudo o que a vida nos oferece,
ouso dizer que o tempo é o que há de mais valioso.”.
Isso pode parecer apenas
um apanhado de frases bonitas escritas por alguém que domina o idioma, mas,
para mim, significam muito, pois na época em que ocorreu isso, esse amigo era
apenas um menino, alguém para quem eu era uma espécie de ídolo e ele bebia
avidamente das minhas palavras. Convivemos o suficiente para ele conhecer de
mim bem mais que a “sensibilidade para ter intimidade com a experiência”, como
ele diz, mas conhecer também muitas das minhas limitações e fraquezas, como eu
conheci as dele, à medida que crescia, até alçar voo, mas, o que importa são
essas pequenas pérolas que se eternizaram, a importância que tive e terei
sempre na vida dele e ele na minha. O interessante é que essa mesma música me
remete a Monte Alto, à minha grande e querida amiga Natalina Collatrelli, pois
foi na casa dela, em Uberlândia, há dezenas de anos, que ouvi essa canção pela
primeira vez e também me lembro exatamente como foi, numa manhã ensolarada e
linda, quando ela nos preparava o café da manhã, com sua linda bebezinha
brincando no tapete da sala, e me dizia o quanto aquela música a fazia se
lembrar de mim.
A quem lê os meus
artigos, pode até parecer que falo excessivamente de mim, que não tenho a
imparcialidade de um jornalista e eu respondo que não mais mesmo, já tive essa
imparcialidade quando fui repórter, quando fui redatora, hoje sou apenas uma
cronista e não há uma só vez que eu fale de mim que não esteja falando de
vocês, de cada um de vocês que me leem, porque a nossa experiência humana é
repleta de similitudes e são esses pequenos acontecimentos, aparentemente tão
sem importância, que constroem as conexões necessárias para atravessarmos a
vida, o que não conseguiríamos fazer sem essa ponte chamada amigo.
Espaços
imaginários
Henrique Campos
Falaram-me os homens em humanidade,
Mas eu nunca vi homens nem vi
humanidade.
Vi vários homens assombrosamente
diferentes entre si.
Cada um separado do outro por um
espaço sem homens.
Alberto Caeiro, in “Fragmentos de
Fernando Pessoa”.
Nós
seres humanos – Homo sapiens neanderthalensis – possuímos inúmeras capacidades cognitivas que nos diferenciam dos
animais irracionais, muito embora, algumas espécies de “homens”, agem de
maneira que os destoam da raça.
No mundo que vivemos
hoje, transformado continuamente pelas indelicadezas cometidas pelo próprio
homem, torna-se difícil a convivência pacífica. Rumores e, por vezes,
constatações de guerras; atentados, ferem e dilaceram as espécies todas
viventes aqui.
Como modificar estas
ações? Como compreender que nada aqui nos pertence e que é passageira essa
nossa condição?
Viver
harmoniosamente com a natureza, não a vilipendiando tornaria mais agradável
nossa estada.
Quando era menino,
no tempo do colégio, na hora do intervalo das aulas, íamos em pares até o pátio
e, todos juntos, escolhíamos o que fazer com aqueles trinta minutos que
tínhamos de pausa nas tarefas da sala de aula. Meus colegas e eu, muitas vezes
após degustarmos saborosa merenda, dirigíamos para a quadra – que naquele tempo
ainda não possuía concreto – lá fazíamos brincar com toda sorte de brincadeiras
típicas e apropriadas para aquele momento: pular corda, queimada com bola de
meia, pega-pega. Eu me detinha com um passatempo predileto – desenhar no chão
de terra batida. Neste mundo sob meus pés, criava personagens que chamavam
atenção, deixando a quadra aglomerada de curiosos para ver o que nasceria
daquelas ágeis mãos a conduzir uma vareta fina transformada em pincel dos
sonhos.
Construía castelos.
Reis e rainhas em soberania nos reinos encantados por mim rabiscados no chão
transformado em caderno. Neste momento raro eu era senhor de minhas ações.
Tinha os pensamentos marejados de sentimentos, colocava no chão todo o
repertório imaginário que retirava de minhas incursões pelos livros – um mundo
mágico onde viajar se fazia necessário.
Inserido neste
mundo, busco desenhar hoje, mesmo adulto, nos espaços imaginários deste meu
chão do presente. Nele reencontro a imaginação que procuro absorver para minha
vida. Ética, generosidade e gentileza são requisitos básicos para a convivência
tão pacifica e sonhada pelos justos e, esta justeza deve ser seguida, anelada a
todo momento.
O que normalmente
se dissemina por aí é o politicamente incorreto. Que tenhamos o discernimento
de separar o joio do trigo. Furar fila, sonegar impostos e todas as adversas
ações para o positivo – não pode ser apoderado como líquido e certo. Ser reto
de caráter, transformará o mundo e os homens. O contrário não deve ser parâmetro,
mesmo que custe palavras, mesmo que custe sonhos.
A ética nossa de cada dia
Isa Oliveira
Ontem,
depois de passar seis horas sentada em uma cadeira pouco confortável, numa sala
com ar condicionado abusadoramente frio num treinamento promovido por minha
empresa, sem almoço devido ao horário de início e término do curso, com um
breve intervalo de apenas 15 minutos para um coffe break, sentindo os efeitos do choque térmico ao retornar para
o calor da rua, caminhei a pé – e de salto – mais dois quilômetros até o SENAC
de Campinas para outro curso que faço todas as quartas-feiras, por escolha
própria. No intervalo da aula, eu não sabia o que era maior, se a fome ou o
cansaço, mas meu professor veio em socorro de minha indecisão ao comunicar que
iria trancar a sala. Desci a escada e fui até a lanchonete da rua de trás para
comer alguma coisa. Só há duas pequenas lanchonetes ao lado da escola e a fome
parece ter atingido a totalidade dos alunos, pois a fila estava imensa. Apesar
do cansaço, eu estava de ótimo humor e me mantive trocando ideias com uma
colega na fila até que um pequeno ocorrido me chamou a atenção. Duas mocinhas
um pouco atrás de mim começaram a reclamar do tamanho da fila, deixando-a logo
em seguida. Mas, para a minha surpresa – porque, por incrível que pareça a uma
pessoa da minha idade, ainda me surpreendo com esse tipo de coisa – uma delas
se dirigiu a uma colega, bem na frente na fila e pediu-lhe, como se fosse a
coisa mais natural do mundo, para comprar-lhe um lanche, um suco e uma salada.
Em seguida as duas sentaram-se numa mesa.
Cansada,
com fome, com sono, com os pés doendo e a garganta arranhando por efeito do ar
condicionado, me senti a mais perfeita idiota. Não reagi, apenas olhei
demoradamente para as meninas confortavelmente sentadas à mesa, conversando
animadas enquanto a colega à frente na fila fazia o seu pedido e o delas, já
tendo assegurado um lugar para sentar junto das desonestas. Eu e minha colega
de sala fizemos o nosso pedido e comemos em pé, na calçada. Tá, se formos nos
preocupar com essas coisinhas, se formos nos deixar levar por essas ninharias,
não vivemos e... Não! Basta! Não tem de ser assim, temos de nos preocupar sim,
de nos importar sim, porque essa mesma mocinha pode ser aquela que se juntará a
outros da mesma idade para ir às ruas fazer protestos e manifestações contra a
corrupção dos políticos e governantes, muitas vezes promovendo quebra-quebra e
depredação do patrimônio público e privado. Mas, que diferença há entre estar
envolvido com propinas de alguns milhões da Petrobrás para favorecer
determinadas companhias em processos de licitação e furar uma fila para comprar
um lanche enquanto guarda lugar numa mesa? Nenhuma. Não há diferença entre
roubar um real e roubar um milhão, entre não devolver o troco recebido a mais
no supermercado e aceitar vantagens pessoais e para familiares dentro da
máquina administrativa.
Devemos
protestar e exigir mudanças, mas, essa mudança deve começar em nós. No episódio
aparentemente sem importância e que apenas me causou uma leve irritação, por
estar excessivamente cansada, eu me calei e assisti passivamente a um exemplo
de corrupção ativa bem na minha frente. Assim como, na maioria das vezes,
estamos cansados demais, desanimados demais internamente para tomarmos alguma
atitude e por isso vamos assistindo, passivos e indignados, à roubalheira e pouca
vergonha que assola o nosso país. O problema é que agimos como se a questão da
corrupção estivesse circunscrita apenas a Brasília, com alguns focos isolados
de contaminação nas capitais dos estados, onde atuam governadores e deputados
e, ocasionalmente, alguns foquinhos em algumas prefeituras e câmaras de
vereadores em pontos isolados do país. Assim como associamos pratinhos de vasos
de plantas e pneus com água ao Aedes Aegypti,
associamos a corrupção aos políticos. Olhamos as consequências e não as causas,
observamos apenas os frutos, sem enxergar a raiz.
Concordo
que a proliferação do mosquito da dengue depende de ações do governo para a sua
erradicação, mas, começa na negligência de cada um de nós em cuidar de nossas
casas, nossos quintais. Assim também se dá com a corrupção. Essa mocinha que
descaradamente passou à frente de mais de uma dezena de pessoas na fila da
lanchonete, não deve achar que agiu mal, apenas foi mais esperta, soube como
valer-se de suas amizades para levar uma pequena vantagem. Esse tipo de praga
evolui e leva as pessoas a perderem a moral, a ética e a decência e não verem
nenhum mal em receber alguns milhões para favorecer um amigo em uma licitação
ou na obtenção de qualquer tipo de favor do governo e de suas autarquias. O
princípio é o mesmo, o crime é o mesmo, a diferença é que quando se mexe
grandes quantidades de dinheiro, a coisa incomoda mais.
Onde
isso começa? Infelizmente, nas nossas casas, na nossa educação, nos nossos
descuidos. O Aedes Egypti não é uma
entidade espiritual malévola vinda do além para trazer-nos uma praga
apocalíptica, é apenas um mosquitinho hospedeiro que não se reproduziria e não
se espalharia tão rápida e avassaladoramente se cada um de nós tomasse pequenos
cuidados básicos. Assim também a corrupção não proliferaria e nem se
transformaria nesse monstro hediondo que parece que não há poder capaz de
destruir se não a amamentássemos e cevássemos dentro de nossos lares, na
educação de nossos filhos desde a mais tenra idade. É comum vermos pais e mães
ensinando aos seus filhos os direitos que eles têm sobre os demais,
ensinando-os a sempre levarem vantagens sobre os coleguinhas e a darem
jeitinhos para resolver as coisas mais comezinhas. Claro, há exceções, graças a
Deus. Há pais e mães que ensinam seus filhos a serem justos, que os repreendem
quando eles erram, que lhes ensinam ética, valores morais e regras de
convivência e que não os criam como se fossem coitadinhos, sempre certos,
vítimas do mundo, injustiçados e perseguidos. Esse tipo de educação garante
que, paralelamente aos corruptos e corruptores, ainda vivam pessoas de bem,
homens honestos, de brio, pessoas éticas que veem o mal e lutam pelo seu
extermínio, o que nos faz acreditar que este país e este mundo ainda tem
conserto, que ainda há esperança, que o bem triunfará no final, sobretudo se
nos unirmos para promovê-lo, porque, mais que lutar contra o mal, é imperioso
promover o bem.
No
entanto a maioria dos pais (sobretudo as mães) ainda agem tratando seus filhos
como pequenos príncipes que gravitam acima dos deveres básicos, que devem ser
servidos, respeitados, adulados e mimados, como se fossem seres de uma ordem
superior. Com isso, se não criam corruptos e outras aberrações, porque nem
todos têm as mesmas oportunidades, criam seres humanos fracos e acomodados que,
ainda que vejam o mal se alastrando, ficam esperando que, como as suas mães os
defendiam das professoras cruéis, dos coleguinhas maus, das maquiavélicas namoradas
e esposas que os fizeram sofrer, dos patrões que os exploraram, vai aparecer
uma força do bem, um elemento superior que os salvará desse poder malévolo que
perturba a humanidade, e enquanto isso, vão reproduzindo esse mesmo modelo de
educação doente, encapsulando seus filhos dentro de uma falsa proteção,
acreditando-os injustiçados ou vítimas de bullying
quando um colega olha torto para eles, criando mocinhas bonitas e fúteis que
vão furar a fila da lanchonete e rapagões folgados que não conseguem sair da
cama antes do meio dia para procurar um emprego, mas que se prestam a marchar
heroicamente durante um manifesto, cobrir a cara com uma camiseta e sair dando
voadora em vidros de prédios públicos e, se eles porventura são pegos pela
polícia, esses mesmos pais vêm em sua defesa, dizendo que os seus pequenos
heróis estão lutando pela pátria e os levam pra casa como vencedores. A ética
no entanto...
quinta-feira, 4 de janeiro de 2018
PREGUIÇA
Preguiça é um estado, ou uma falta de estado de espírito,
uma falta de vontade de ter vontade, um ânimo desanimado,
um estado de letargia, uma vontade sem vontade,
um desejo de ficar deitado,
ou mesmo sentado, escorado ou encostado.
Preguiça é um estado, ou uma falta de estado de espírito,
uma falta de vontade de ter vontade, um ânimo desanimado,
um estado de letargia, uma vontade sem vontade,
um desejo de ficar deitado,
ou mesmo sentado, escorado ou encostado.
Preguiça é uma força sem força, um corpo sem movimentos,
solto e indo ao sabor do vento,
um jeito de encarar de olhos fechados, de avançar,
mas ficar parado, de brigar, mas apanhar igual a um condenado.
É uma braveza sem bravura, uma barata tonta
que se amedronta e se desmonta.
solto e indo ao sabor do vento,
um jeito de encarar de olhos fechados, de avançar,
mas ficar parado, de brigar, mas apanhar igual a um condenado.
É uma braveza sem bravura, uma barata tonta
que se amedronta e se desmonta.
Preguiça é uma vontade de ir pra cama,
ou mesmo deitar na lama e se encolher
e se esticar e ficar mais morto do que vivo.
Preguiça é o que eu sinto depois do almoço,
uma moleza total, dos pés à cabeça,
uma dificuldade para manter os olhos abertos
e o coração pulsando e uma inveja
de quem está de pé e andando.
ou mesmo deitar na lama e se encolher
e se esticar e ficar mais morto do que vivo.
Preguiça é o que eu sinto depois do almoço,
uma moleza total, dos pés à cabeça,
uma dificuldade para manter os olhos abertos
e o coração pulsando e uma inveja
de quem está de pé e andando.
Preguiça, enfim, é coisa boa.
Preguiça sou eu em pessoa.
Preguiça sou eu em pessoa.
(04-01-2018) Cícero Alvernaz (autor)
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