sábado, 13 de janeiro de 2018


FÁBRICA DE NUVENS

Isa Oliveira

            Eu não tinha nenhuma ideia sobre Mogi Guaçu e nem mesmo a diferenciava de Mogi Mirim ou de Mogi das Cruzes. Talvez até mesmo confundisse a cidade com o rio. No entanto, quis o destino que meu coração de poeta fosse seduzido por um habitante desse lugar, que não é um peixe, logo, não se trata de um rio, mas de uma cidade, que passou a figurar na minha estreita geografia e adquirir contornos de tons prateados.
            Combinei com meu guaçuano amado uma viagem para a minha terra natal, Monte Alto. Como viria de Atibaia, pela Dom Pedro, para facilitar as coisas, nos encontraríamos em Campinas, na manhã de sexta-feira. No entanto, a doce agonia da saudade me levou a antecipar minha ida em um dia e a aventurar-me a encontrar a agora já interessante cidade com as parcas instruções obtidas no Google, sem GPS ou estrelas-guia para me orientar.
            Logo que fui me aproximando do sítio procurado, como é comum aos apaixonados, as mãos foram gelando e as pernas bambeando, difícil controlar os pés entre embreagem, freio e acelerador. Para distrair-me desse estado de perturbação, resolvi passear meus olhos pela paisagem e, qual não foi a minha surpresa, ao descobrir que é na região de Guaçu que são produzidas as nuvens! De uma imensa chaminé, provavelmente a maior que já vi, saía uma nuvem branquinha e muito fofa, recém produzida. A imagem extasiou-me. Cinco décadas acreditando que nuvens são formadas pela condensação do vapor que sobe da terra para, num repente, descobrir que existe uma fábrica delas! Tá, é certo que os ecologistas e muitos moradores do lugar podem não concordar com meu ponto de vista romântico sobre o denso material expelido pela grande chaminé, mas, serei irredutível nesse ponto: é uma fábrica de nuvens e fim!
            Entrando na cidade, que já me pareceu simpática desde a um pouquinho esburacada via de acesso da entrada que escolhi (nem imaginei que houvesse outras, entrei logo na primeira, como se fora a única que me levaria aos braços do amado). Rapidamente dei conta de que as orientações do Google Maps impressas numa folha A4 não me seriam de grande valia, pois placas com os nomes das ruas que deveria seguir, não as vi logo de cara. Parei então numa loja de material de construção, tentei controlar a tremedeira das pernas, entrei e perguntei pela localização da Rua Bauru. “Ih, moça, tá do ouuuuuuuuuuuuuuuutro lado”.
Pelo encompridar do “outro”, supus que a rua estivesse mais perto de Atibaia do que do ponto de Guaçu em que me encontrava. O rapaz do depósito foi extremamente gentil, saiu de detrás do balcão, foi comigo até o carro e me deu instruções precisas, cuja metade esqueci alguns quarteirões depois, mas, guardei uma referência: o Bar do Congada.
Consegui chegar até próximo da rodoviária e lá parei numa esquina para me informar. Um pedreiro desceu do andaime e veio em meu socorro, rosto suado e mãos sujas de massa. Pensou, pensou, traçou rotas a meia voz, falando consigo mesmo e dizendo: “Não, por aí é muito difícil, ela vai se perder, péra aí... Não, por ali também não...”. Atrás de mim havia um caminhãozinho parado e o motorista falava com outro homem. Sugeri ao pedreiro perguntar ao motorista e ele me explicou que não ia adiantar, porque ele também estava perdido.
Eu já estava apaixonada por Guaçu pelo simples fato de ela abrigar aquele que amo, mas, a atitude daquele homem simples nocauteou-me como um golpe de direita do punho do Anderson Silva em suas melhores lutas. Ele me pediu para esperar, entrou na obra e reapareceu com uma chave e um capacete na mão. Subiu numa moto e me pediu para segui-lo, tendo a delicadeza de ir devagar e parar para me esperar sempre que outro veículo de interpunha entre nós. Levou-me até o Bar do Congada, a poucos quarteirões do meu destino final. Desci do carro num impulso, agarrei a mão do pedreiro e a beijei demoradamente, sentindo em meus lábios o gosto acre de cimento e cal.
Com esse gesto tão humano, tão solidário, de uma pessoa que deixou seu trabalho para guiar uma desconhecida, Guaçu me conquistou para sempre. Logo mais eu seria recebida pela reação feliz do meu amado à surpresa, pelo carinho de seus pais, agora meus também; mais tarde por seus irmãos e tios e, com requintes de atenção e doçura, por seus colegas de trabalho no SENAC, mas, o impacto mesmo foi causado pelo atencioso construtor. Só não entendi como ele trabalha levantando paredes em vez de manobrando a chaminé e os fornos da magnífica fábrica de nuvens, posto que é um anjo.

Não me julgo cidadã do mundo, e sou até muito provinciana, mas, de agora em diante tenho três naturalidades: Monte Alto por nascimento, Atibaia por escolha e Mogi Guaçu por amor!

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